O desembarque em Austin trouxe um misto de inspiração, ansiedade e expectativa. Logo nos primeiros minutos, encontrei o já veterano Felipe em frente às esteiras de restituição de bagagem, decoradas com guitarras gigantes que davam o tom da capital texana em toda a sua prontidão para o SXSW Music, antigo habitante local.
Tomamos um ônibus em direção ao Centro (Downtown) e, em seguida, outro até o Drifter Jack’s Hostel, que seria a nossa casa pelos próximos 10 dias. Nosso objetivo era não só ter um pouso de baixo custo, mas principalmente dar espaço à oportunidade de encontrar, conhecer e conviver com pessoas diferentes, em toda a nossa intenção de aproveitar a diversidade local para… aprender.
Quem viu nossos lives pelo Facebook, agora disponíveis no YouTube, ouviu muitas histórias desse aprendizado, desde o nosso encontro com uma jovem de Montana interessada em política internacional (ela sabia falar inclusive de política brasileira, imagine!) até a nossa convivência com um viajante de Dakota do Norte que havia perdido a irmã nas ruas de Austin dois anos atrás.
Aliás, “história” foi uma das palavras que eu mais vi e ouvi durante o Festival, não sei se pela minha busca de temas por afinidade, se pelo surgimento (casual?) do assunto nos mais diversos eventos ou se por pura tendência mesmo. Afinal, como bem disse o Felipe – e eu concordo – cada um faz o seu próprio SXSW… ou será que contar histórias faz parte, como está na moda dizer, do universo “trendy” da comunicação e da aprendizagem?
Provavelmente, é um pouco de cada, já que uma coisa alimenta a outra. O fato é que nas minhas andanças, tanto no SXSWedu quanto no Interactive, vi bastante coisa sobre storytelling, ora como tema central de um evento, ora como ferramenta utilizada por educadores, comunicadores e profissionais de diversas outras áreas (até mesmo programadores). Minha intenção é, aos poucos compartilhar aqui experiências e referências sobre o que vimos por lá.
Vou começar com o SXSWedu.
Já no primeiro dia, o storytelling foi um dos pontos centrais da sessão Virtual Reality in Education – Best Practices (Realidade Virtual na Educação – Melhores Práticas), conduzida pela The School of The New York Times (A Escola do The New York Times). Segundo a Dra. Audrey Heinesen, VP de Desenvolvimento de Produtos, no topo da lista de um projeto educacional desenvolvido a partir de realidade virtual (“VR”, para os íntimos), não está a tecnologia, mas, sim, uma boa história e como ela é contada. Na visão dela e do colega Kevin Alster, designer de aprendizagem, os bons jornalistas são bons contadores de histórias, principalmente quando conseguem levar o público a vivê-la in loco, possibilidade criada pelo uso da realidade virtual. Por isso, uma dica que eles dão aos educadores que querem usar esse tipo de ferramenta é: “sejam jornalistas”. Nesse sentido, eles também ressaltam a importância da integridade.
O storytelling nem chega perto de parar por aí. Durante o workshop Designing Creative Learning Experiences (Desenvolvendo Experiências de Aprendizagem Criativas), do qual eu e o Felipe participamos juntos, era preciso primeiro criar uma história a partir de palavras aleatórias lançadas em um brainstorm para depois colocá-la “em prática” usando ferramentas como bananas, massa de modelar, cartolina e uma placa de circuito com fios ligados a esses objetos (Makey Makey). Todo esse “aparato” seria em seguida comandado pela programação que desenvolvemos com a plataforma Scratch, do MIT, tão simples de usar, que não precisávamos entender uma linha de código – apenas um pouco de lógica. Imagine o quanto nos divertimos fazendo um macaco à base de Play Doh pular no alto de um prédio com suas bananas. Nessa brincadeira, vimos o quanto contar histórias pode ensinar sobre programação.
No espaço denominado Playground, que reunia estandes de várias empresas e organizações, a história também era o carro chefe da Explo, instituição especializada no desenho de experiências de aprendizagem por meio de exploração – e curiosidade. Aqui, nosso desafio era salvar a bolinha Molly das garras de um terrível urso faminto construindo uma rampa de papelão que a permitisse “saltar” para a segurança ao descer esquiando pela montanha gelada.
A história (ficção) também se mesclou à história (realidade) no painel Engaging Students through Immersive Role Play (Engajando Estudantes por meio de RPG Imersivo), no qual um reitor, uma professora de História da Arte e um estudante falaram sobre o uso da metodologia Reacting to the Past (Reagindo ao Passado). O método, basicamente, coloca os alunos no centro de um acontecimento histórico (como a Revolução Francesa, por exemplo), transformando-os nos personagens que fizeram parte daquele momento do passado. Os alunos são, dessa forma, estimulados a estudar seus papéis e os fatos ao redor deles para viver a experiência. O processo é “gamificado” e vencem aqueles que conseguem atingir os objetivos dos seus personagens.
Por fim, para encerrar por hoje, vou falar sobre o espetáculo American Revolution (Revolução Americana), que também propõe engajar os alunos no estudo de história, mas por meio da arte. Aqui, os estudantes assistem a apresentações teatrais da companhia Theater Unskpeakable, que utiliza apenas os corpos dos atores durante a encenação. A proposta é, além de ensinar história de um jeito bem-humorado (o espetáculo é cheio de cenas engraçadas), estimular a consciência corporal e o apreço pelo teatro. Aqui, a história – e a forma como ela é contada – andam de braços dados.
Enfim, existem muitas formas de se contar histórias – e a gama de exemplos vai muito além do que eu trouxe aqui. Mas embora eu sempre tenha acreditado no poder do storytelling como ferramenta de aprendizagem (desde os primeiros anos, nossos pais nos ensinam por meio de histórias), percebo que o excesso de objetividade exigido hoje em alguns campos da educação – sobretudo no universo corporativo – muitas vezes esbarra na armadilha dos conteúdos secos, maçantes e sem sal, que geram baixa aderência do público e um aprendizado apenas superficial. Felizmente, existe a contrapartida daqueles que têm buscado resgatar o storytelling como parte essencial da aprendizagem. Afinal, histórias tocam corações e estimulam mentes, criando uma atenção e uma retenção mais fortes. E, como disse o Dr. Chris Emdin em seu brilhante keynote (o Felipe falou mais sobre isso nesse post.), quando pensamos no aprendizado de pessoas, “não estamos ensinando para o Programa Especial, e sim, para almas”.
Até o próximo post!