No primeiro texto da série, eu havia prometido falar sobre como a autogestão pode influenciar a aprendizagem nos próximos anos e aqui estou, carregado com as experiências e as bagagens de 2020, com convicções reforçadas sobre o quanto a autonomia é fundamental. Para não dizer que isso é apenas (mais) uma opinião, trago um trecho da análise do Fórum Econômico Mundial sobre as dez habilidades mais importantes para o mundo do trabalho até 2025:
“Pensamento crítico e resolução de problemas estão no topo da lista de habilidades consideradas pelos empregadores como as mais proeminentes nos próximos cinco anos. Elas têm sido consistentes desde o primeiro relatório em 2016.
“Mas este ano estão surgindo novas habilidades em autogerenciamento, como aprendizagem ativa, resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade” (grifo meu).

Recorte do “The future of jobs report 2020”, publicado em outubro passado.
De acordo com o relatório do Fórum sobre o futuro do trabalho, as habilidades do grupo autogerenciamento têm a terceira maior importância relativa entre as companhias entrevistadas, com demanda crescente em aproximadamente 60% delas. No que tange às habilidades específicas, aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem estão no segundo lugar do ranking, perdendo apenas para pensamento analítico e inovação.
Mas… podemos dizer que autogerenciamento e autogestão são a mesma coisa? Sim e não. No inglês, as duas palavras se traduzem como self-management, que significa “gestão de ou por si mesmo; responsabilidade pelo próprio comportamento ou bem-estar” (Oxford Languages). Já no português (Caldas Aulete), autogerenciamento é a “capacidade e ação de se autogerenciar, de gerir a própria atividade, os próprios negócios, a própria carreira profissional etc.”, enquanto autogestão significa “direção e/ou gerenciamento de uma empresa pelos próprios empregados”.
Até aqui usei “autogerenciamento” para designar o grupo de habilidades especificadas no relatório do Fórum. Vou falar agora sobre a autogestão. No livro Reinventando as organizações, Frederic Laloux a coloca como parte do tripé das organizações teal, mais alto estágio evolutivo mapeado pelo autor. A obra propõe uma concepção mais específica da autogestão, colocando-a como “a chave para operar de forma eficaz, mesmo em grande escala, com um sistema baseado no relacionamento entre pares, sem a necessidade de hierarquia ou consenso”.

Publicado em 2014, o livro de Laloux propõe uma revisão geral dos paradigmas de gestão empresarial.
Na prática
A definição proposta por Rodrigo Bastos, parceiro na empresa Target Teal, põe a coisa em termos práticos. Segundo ele, a autogestão é um “conjunto de práticas organizacionais que buscam distribuir a autoridade, dando clareza de responsabilidades e o máximo de autonomia a cada integrante da organização. Nesse caso, as pessoas deixam de reportar a um superior, porém seguem um conjunto de regras e acordos firmados coletivamente. Esses acordos formam uma estrutura organizacional que não exige que todos tenham o mesmo poder de decisão e autoridade, apenas deixa claro como isso é feito e impede a relação de chefe-subordinado”.
Aqui chegamos ao ponto: para atingir o mais alto grau evolutivo – teal – uma organização precisa abrir mão da cadeia de comando e controle e adotar práticas de autogestão que, por sua vez, exige das pessoas o desenvolvimento contínuo de habilidades em autogerenciamento. Pode parecer utópico, mas não é. Várias empresas de diferentes portes e segmentos já atuam dessa forma ao redor do mundo. Para citar alguns exemplos: Buurtzorg (saúde, 10 mil profissionais, Holanda), Vagas (recrutamento e seleção, 140 profissionais, Brasil), Zappos (varejo on-line de calçados e roupas, 1,5 mil profissionais, EUA).
Autodireção
O que isso tudo tem a ver com a aprendizagem no futuro? Quem leu o post anterior deve se lembrar que eu destaquei a agilidade como um dos aspectos fundamentais dela, e que um dos pilares da aprendizagem ágil é a autodireção. Malcolm Knowles, considerado o pai da andragogia, define aprendizagem autodirigida como “um processo no qual os indivíduos tomam a iniciativa sem a ajuda de outros para diagnosticar suas necessidades de aprendizagem, formular objetivos, identificar recursos humanos e materiais e avaliar os resultados”. Ora, o que seria isso senão uma habilidade de autogerenciamento que reflete exatamente aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem?
Endereçada a questão individual (gerenciamento), passemos à coletiva: autogestão. Se ela preconiza o exercício da autonomia pelas pessoas em uma organização, isso significa que elas são livres para, partindo dos acordos estabelecidos, tomar suas decisões baseadas única e exclusivamente na autorresponsabilidade. Isso inclui, naturalmente, decidir sobre a própria aprendizagem exatamente nos contornos definidos por Malcolm Knowles e outros pesquisadores como Blake Boles ou Ian Cunningham.* Então, podemos dizer que os membros de uma organização autogerida precisam aprender de forma autodirigida.
Por fim, talvez possamos concluir que aprendizes autodirigidos, por já apresentarem uma inclinação natural à autonomia, tenham mais propensão a trabalhar em organizações que já adotaram a autogestão – ou fundar seus próprios negócios com base nos princípios dela. Faz sentido?

Indicadores do Núcleo de Aprendizagem Ágil da Concert Technologies, imprementado desde setembro de 2020
Logo…
Retomando o relatório do Fórum, se há uma tendência nas empresas pela busca de habilidades em autogerenciamento, é bem provável que tenhamos, no futuro, muito mais organizações autogeridas e pessoas aprendendo de forma autodirigida. O caminho ainda me parece bem longo até que esse seja o modelo dominante, mas os primeiros passos já foram dados e vêm atraindo seguidores.
É curioso imaginar que a aprendizagem no futuro nos remete à forma como as crianças mais novas aprendem hoje, e irônico pensar que amanhã voltaremos a aprender como nossos ancestrais o faziam no passado mais remoto. Pode ser o enredo fantástico de um filme de ficção científica ou simplesmente a natureza nos lembrando de onde viemos – e para onde vamos.
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*Enquanto Knowles e Boles usam a expressão self-directed learning para falar de aprendizagem autodirigida de maneira geral, Cunningham adota o termo Self Managed Learning (SML), que propõe um conceito mais voltado para o contexto organizacional.
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Referências
What are the top 10 job skills for the future? | World Economic Forum
The Future of Jobs Report 2020 | World Economic Forum
Livro: Reinventing organizations: a guide to create organizations inspired by the next stage of human consciousness – Frederic Laloux (reinventingorganizations.com)
O que é autogestão? Definição, vantagens, exemplos e como fazer
Livro: Self-directed learning: a guide for learners and teachers – Malcolm S. Knowles
Livro: A arte da aprendizagem autodirigida – Blake Boles (Tradução: Alex Bretas)