Por que treinamentos obrigatórios tendem a ser um fracasso

Aprender de verdade requer uma conexão genuína com o tema a ser aprendido ou com o próprio processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo, a obrigação quase sempre gera um certo afastamento, uma vontade de procrastinar e até de boicotar determinada tarefa, salvo quando entendemos a necessidade de cumpri-la e nos conectamos com ela de alguma forma. Naturalmente, quando estamos falando de exigências legais (como prevenção à lavagem de dinheiro) ou de segurança (como uso de EPIs para operar em uma fábrica), o que é mandatório cumpre o papel de, ao mesmo tempo, salvaguardar a organização e as pessoas, criando um espaço de compreensão tácita dessa necessidade. De resto, treinamentos obrigatórios são mais uma forma de comando e controle que provavelmente gera mais ônus do que bônus para todas as partes envolvidas. É sobre esses que vamos refletir daqui em diante.

Falemos sobre o uso da palavra “treinamento”. Não é de hoje que ele tem sido criticado por pensadores na vanguarda da aprendizagem, já que remonta à mentalidade da Primeira Revolução Industrial, ocorrida cerca de dois séculos atrás. Sem entrar em muitos detalhes técnicos, o termo “treinar” tem origem no francês “traîner”, cujo significado remete a puxar, arrastar, forçar a ir. No dicionário Michaelis, por extensão, “treinamento” (ou “treino”) significa experiência adquirida em qualquer atividade, devolvendo algum sentido ao uso da palavra em contextos diversos de aprendizagem. Ainda assim, trata-se de uma simplificação que muitas vezes desconsidera a complexidade de uma ação ou experiência de aprendizagem – razão pela qual tenho preferido adotar essas expressões na maioria das vezes. Para não dizer que estou sozinho, a própria área de T&D no cenário internacional (Training & Development) vem sendo chamada de L&D (Learning & Development), embora no Brasil ainda prevaleça o uso corrente de T&D (Treinamento & Desenvolvimento) e eu não conheça nenhuma organização que tenha adotado a sigla A&D até o momento.

Vale lembrar que, sim, podemos treinar para ações repetitivas, como atividades esportivas, operar máquinas e apertar parafusos, ou mesmo para habituar nosso cérebro a evitar a procrastinação e coisas do tipo. Mas convém separar as coisas e dar os nomes correto aos bois – nem que seja para mitigar resistências. Nesse sentido, cabe acrescentar que o termo, pela própria etimologia, pode carregar uma noção de “trabalho forçado”, o que nos leva para a segunda parte da questão.

 

Obrigatoriedade

Ao longo de vários anos trabalhando como agente de aprendizagem, sobretudo no ambiente corporativo, tenho visto as organizações sofrerem com o dilema do engajamento. Mesmo quando oferecem excelentes conteúdos em diferentes modalidades e formatos, o real interesse do público é baixo ou inexistente, e as pessoas muitas vezes estão apenas de corpo (ou de clique) presente. O resultado é preocupante, já que o aprendizado efetivo se torna outro dilema. Ao meu ver, ambos os problemas têm uma origem simples:

Em um processo de aprendizagem consciente, só é possível aprender aquilo que se permite.

Isso significa que, para se engajarem (1) e, consequentemente, aprenderem (2), é preciso que os resultados desejados e os objetivos de aprendizagem façam sentido para os participantes de uma ação. Cabe destacar que os nossos cérebros estão programados para o menor esforço possível, a não ser que vislumbrem algum tipo de ganho por executar uma tarefa. Assim, ao impor a obrigatoriedade simplesmente porque é importante para a empresa que as pessoas aprendam o que quer que seja, o engajamento quase sempre é eliminado na origem. Digo “quase” porque naturalmente existem casos em que as ações propostas pela organização vão ao encontro dos desejos e/ou das necessidades das pessoas, criando um cenário favorável – mas isso é bem raro.

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Vou dar um exemplo: quando o meu filho de três anos chega da escola, o que faz sentido para ele é brincar. Ele costuma espalhar vários brinquedos diferentes pelo chão e brinca por todo o território do lar, deixando uma bola aqui, um carrinho ali… Quando vai chegando a hora de dormir, tentamos incentivá-lo a arrumar a bagunça e deixar tudo organizado para o dia seguinte. Obviamente, quando usamos esse argumento, vai tudo por água abaixo, pois, para ele, organizar as coisas é um esforço obrigatório e não faz a menor diferença. Porém, quando sugerimos que ele acerte as bolas no cesto ou dirija os carrinhos até uma “garagem”, a coisa muda de figura, porque passa a fazer parte da brincadeira. Ao final, todas as pessoas envolvidas atingem os resultados e os objetivos desejados: nós, os pais (aqui representando as empresas), que precisamos da casa arrumada, e ele (aqui representando o público), que precisa brincar.

Bônus: quando participamos ativamente do processo, ele se envolve mais e o desfecho é ainda melhor, o que nos faz refletir sobre a importância de as organizações (leia-se lideranças) também se engajarem para o aprendizado das pessoas sob sua tutela.

Embora o exemplo traga uma situação envolvendo uma criança, o que pode levar a questionamentos do tipo “com os adultos é diferente”, no melhor estilo Mário Sérgio Cortella, pergunto: será? O próprio Malcolm Knowles, pai da andragogia, admitiu que em grande medida crianças e adultos aprendem da mesma forma. 

 

Intenção

Voltemos à reflexão anterior. Se conscientemente apenas aprendemos aquilo que nos permitimos aprender, para que haja engajamento e aprendizado efetivo, o processo de aprendizagem tem que ser intencional. Como é impossível alguém ter intenção por outra pessoa, é preciso trabalhar com afinco as camadas em torno das experiências para, então, promovê-las eliminando a necessidade da obrigatoriedade e promovendo uma aprendizagem orgânica. Mas como fazer isso?

A real intenção de aprender vem da compreensão das pessoas do que é importante para elas e por quê. Portanto, algumas possibilidades:

  • incentivar todo e qualquer processo de aprendizagem, formal ou informal, fornecendo recursos para as pessoas aprenderem (tempo, dinheiro, conteúdos, autonomia);
  • escutar ativamente os desejos e as necessidades do público, e levá-los em consideração na hora de planejar ações de aprendizagem;
  • mostrar os ganhos envolvidos em um processo de aprendizagem planejado, e não em torno da participação pura e simples nas ações;
  • ser totalmente transparente ao explicar por que a aprendizagem de algo específico é importante para a organização;
  • reconhecer de verdade as pessoas que aprendem e instigá-las a compartilharem seus processos e resultados;
  • não restringir a aprendizagem exclusivamente àquilo que a organização entende como importante;
  • garantir segurança psicológica para que as pessoas aprendam, testem, errem e reiterem.

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A aprendizagem intencional é um processo que passa pelo despertar do interesse e pode ser retroalimentado de forma cíclica, fomentando uma cultura de aprendizagem na organização. Uma vez fortalecida, essa cultura torna obsoleta a necessidade de controle, pois as pessoas passam a entender o real propósito de aprender, inclusive aquilo que é importante para a organização.

No fim das contas, não se trata de adotar as mais sofisticadas tecnologias ou de tentar fazer com que todas as ações de aprendizagem sejam agradáveis e divertidas, e sim de promover um ambiente aberto, saudável e seguro com o qual as pessoas se sintam conectadas e onde possam exercer sua plena autonomia, cientes de suas responsabilidades.

E você, o que pensa?

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Como será a aprendizagem no futuro? (Parte 1 de N)

Siga a 42formas nas redes sociais:

Carta aberta à comunidade da 42formas

Essa é uma mensagem de final de ano um pouco diferente. É uma carta aberta e parte de uma premissa simples, que está no manifesto da 42formas:

“A transparência está sempre presente”

É por isso que estou escrevendo esse texto, que tem dois objetivos. O primeiro, compartilhar que, a partir de janeiro de 2022, estou me desligando das minhas funções na 42formas. Estou seguindo para um outro caminho, dentro da educação, mas não relacionado com a aprendizagem corporativa, que é o Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação.

Me desligar da empresa que ajudei a criar não é uma decisão fácil, naturalmente. Foi tomada no começo de dezembro, a partir da convergência entre a oportunidade que apareceu, junto com a vontade de novas experiências, um novo rumo de vida e seguir o coração. Como para muitas pessoas, 2021 não foi o ano mais tranquilo da história.

O segundo objetivo é dizer que a minha saída não significa o fim da 42formas, muito pelo contrário. Estou ansioso para ver o resultado dos conteúdos, soluções e projetos já contratados e os seus impactos na aprendizagem corporativa, contribuindo de maneira efetiva no desenvolvimento das pessoas.

Mais do que comunicar meus próximos passos, esse texto é um agradecimento público às pessoas que conheci ao longo do caminho. Sou muito sortudo em poder ter construído essa sociedade com a Bê, que esteve conosco nos primeiros anos de 42formas, e o Marcos. Com ele, foram constantes trocas, construções coletivas e suporte mútuo nesses oito anos. Profissionalmente, ficamos especialistas em processar as nossas tensões, divergências filosóficas e criativas e experiências, e transformar em pontos de convergência. Além disso, no dia a dia, não é fácil encontrar alguém com princípios éticos, morais e coletivos tão cristalinos e bacanas feito os do Marcos. Tive muita sorte. Essa maturidade, abertura e transparência deixaram o processo de transição muito tranquilo e sereno.

Além disso, agradecimentos ao Zé, Milton, Paulo, Theo, Isa, Rodrigo, Juliana, Leandro, Rodrigo, Dani, Lidi, Vivian, Caco, além de tantas outras pessoas e organizações que confiaram seus projetos de aprendizagem em nossa experiência. Carregarei as lições, experiências e vivências sempre comigo.

Estou ansioso pelo próximo desafio e irei compartilhando as explorações e descobertas com vocês.

Além das possibilidades de explorações e descobertas, desejo um ano novo com saúde e que seja um recheado de oportunidades para continuarmos aprendendo e achando caminhos em um mundo complexo.

Até breve!

Subterrâneo em Kazan por Felipe Menhem
Subterrâneo em Kazan por Felipe Menhem

Exploração e aprofundamento andam juntos?

Ando meio obcecado com esse artigo de Derek Thompson e que foi publicado na The Atlantic, sobre os períodos de muita produtividade, ou “hot streaks“, que artistas, cientistas e pessoas inovadoras têm em vários momentos da carreira. Espalhei para uma meia dúzia de pessoas, troquei ideias e refleti sobre. De alguma forma, tento compilar aqui esse apanhado.

Muitas vezes nos identificamos e passamos por momentos parecidos, onde conseguimos produzir materiais relevantes com alguma frequência. Outras vezes, acontece o oposto. Longos períodos sem nenhuma produção ou inovação.

A resposta para esse processo parece simples:

Explore, then exploit.

Em tradução livre: Explore, depois aprofunde (?). Esse fluxo parece ser a razão dos grandes momentos de produtividade e relevância. Ele também vem sido estudado há um tempo, tanto que “explore, then exploit” faz parte do título deste artigo de 1991, escrito por James March na Universidade de Stanford.

E 30 anos depois, fica claro que não há simplicidade no processo. Achar o equilíbrio entre “explorar novas ideias” e “aprofundar/aproveitar/se especializar das velhas certezas” continua sendo um desafio organizacional e pessoal*. Muito tempo no modo “exploração” e podemos sacrificar o lucro. Ao passo que muito tempo no modo “aprofundamento”, pode significar ficar para trás no desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Dentro do contexto corporativo, há um extra. Não raro, as pessoas “exploradoras” e “especialistas” estão em áreas distintas e que não trocam entre si. Fico pensando no potencial criativo, de desenvolvimento e inovação que poderia acontecer caso as organizações conseguissem criar esse fluxo de exploração e aprofundamento.

Estimular a aprendizagem social, incentivar a prática de pequenos experimentos e melhorias incrementais, entender a maturidade e o anseio por desenvolvimento que as pessoas naturalmente possuem.

Além da definição dos acordos e momentos para que as trocas e pesquisas aconteçam, é fundamental que isso seja parte da cultura organizacional, entendendo também o dia a dia das pessoas. Afinal, a questão da exploração e aprofundamento de conteúdos e experiências também toca em acessos e privilégios. A aprendizagem social e o estímulo da curiosidade e criatividade parecem acontecer de uma forma mais natural em determinados ambientes organizacionais: escritórios e em posições menos operacionais.

Afinal, inovação e desenvolvimento vem da busca por novas ideias trabalhando em conjunto com reforçar as práticas já existentes. Como promover isso em diferentes ambientes corporativos?

* Fica para um outro momento, mas essa discussão também se aplica às nossas vidas e interesses pessoais. Quanto tempo podemos (ou devemos) passar no modo exploração, antes de entrar na especialização? Mais do que isso, algumas pessoas, logo na infância e adolescência, se especializam e colhem frutos com isso. Artistas e esportistas, por exemplo. Como manter o espírito da exploração vivo?

Agradecimentos à Carol Brant, Angela Dannemann, Nira Bessler, Natália Menhem e Diego Mancini pelas trocas que ajudaram na construção desse texto e nas referências para futuros.

Photo by Colin Watts on Unsplash
Photo by Colin Watts on Unsplash

Não existe solução única para problemas complexos

Quero compartilhar uma reflexão, soma das leituras e também dos temas que andei vendo em duas conferências nas últimas semanas: a Innovation@Work, promovida pela The Economist e a WorldSkills Conference, feita pela WorldSkills International.

Na Innovation@Work, as discussões foram em torno do trabalho híbrido. Quais são os novos acordos e desafios do “Trabalhe de Qualquer Lugar”? Aqui, estamos falando sobre cultura organizacional, T&D, integração e afins.

Na WorldSkills Conference, assisti duas trilhas com mais atenção: “Skills for green jobs” e “Poverty reduction through skills”. A primeira falava sobre as “green skills”, as habilidades para desenvolvimento sustentável e uma economia circular. O foco da segunda era como o ensino técnico/vocacional pode ser um caminho para a redução da pobreza.

Independente da abordagem, é interessante ver que alguns desafios organizacionais são globais. Um dos exemplos é como garantir a qualificação e requalificação da força de trabalho para as habilidades digitais, técnicas e humanas que têm relação com automação, inteligência artificial e metas de globais de sustentabilidade.

Em sua fala dentro do Innovation, Chike Aguh, Chefe de Inovação do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, comentou que até 2030, mais da metade dos trabalhos no país exigirá “habilidades tecnológicas e digitais” de alta e média complexidade. No entanto, somente 15% da população tem acesso aos recursos para desenvolver essas habilidades.

Na conferência da WorldSkills, Nicolas Schmit, Comissário para Trabalho e Direitos Sociais da União Europeia, disse que 40% dos trabalhadores no continente não tem essas mesmas habilidades. O cenário é melhor para a geração entre 16 e 29 anos, só 9% não tem habilidades digitais, mas ainda há a necessidade delas serem focadas no trabalho.

Embora sejam números e desafios globais, as soluções e caminhos são dramaticamente locais, por inúmeros fatores: desigualdade social, inclusão, diversidade, pobreza, acesso à educação, pouca infraestrutura, acesso à internet, etc. O que funciona na Suécia ou em Ruanda pode não dar certo no Brasil, porque falamos de cenários diferentes.

E focando somente na educação corporativa, que é a nossa seara, as realidades também são várias e distintas. Pessoas podem morar na mesma cidade e ainda assim, tem diferentes condições para acessar à internet. As condições de infraestrutura mudam se a organização tem escritórios e fábricas fora de grandes centros. Sem contar o cenário do trabalho remoto, com pessoas espalhadas por todo o país, é preciso pensar em diferentes formas de conteúdo e abordagens e assim, garantir condições de aprendizagem para a força de trabalho.

Como? Imagino diferentes caminhos. Uma forma é pesquisar e entender o cenário e condições das pessoas que compõe a organização e desenvolver diferentes objetos e formas de aprendizagem para elas. De maneira mais ampla, trocar experiências e criar redes de colaboração com outras organizações e instituições de ensino, para tentar desenhar soluções em conjunto e que consigam navegar na complexidade atual.

Essa conversa continua em breve!

REUTERS/Chris Graythen
REUTERS/Chris Graythen

Como a aprendizagem social deixa Tóquio 2020 mais legal

Naturalmente, esse texto tem um viés, porque fala de esporte. Ainda na faculdade, bem antes de sequer imaginar que um dia estaria trabalhando com aprendizagem, meu sonho era ser jornalista esportivo. Mesmo trabalhando com comunicação digital, meu trabalho de conclusão de curso foi sobre jornalismo esportivo. A vida, as escolhas e as experiências me levaram pra onde estou, trabalhando para ajudar as pessoas e organizações em processos de desenvolvimento e aprendizagem.

E esse olhar de aprendizagem tem sido especialmente útil em 2021, para conseguir enxergar coisas novas no esporte. Tem sido legal perceber como os Jogos Olímpicos representam uma oportunidade única de aprendizagem social. Especialmente para nós, que estamos assistindo, virando madrugadas (ou tentando) assistindo às disputas. Pra entender um pouco mais sobre as modalidades e as histórias além da competição, tenho percebido o poder de grupos de conversa e uma curadoria em redes feito o twitter.

Parece óbvio, claro. Mas achar uma rede com pessoas de confiança e saber onde achar e filtrar fontes de informação fazem muita diferença. Especialmente nesse mundo que vivemos, com excesso de conteúdo e em um evento com vários acontecimentos ao mesmo tempo.

Darei dois exemplos práticos.

O primeiro é aprender e trocar com pares. No grupo de amigos da escola, por exemplo, além dos comentários sobre os esportes, temos discussões sobre temas que gravitam em torno dos jogos. Pode ser a história de vida da Rayssa Leal, a saúde mental da ginasta multicampeã Simone Biles, a medalha de ouro dividida entre os atletas do salto em altura ou a imensa desigualdade e o perrengue de parte da nossa delegação por falta de patrocínio.

Vale dizer que nenhum de nós trabalha com esporte, apenas gostamos de assistir. Alguns sabem mais que outros sobre determinadas modalidades. Existem alguns acordos tácitos, comuns aos espaços de aprendizagem: confiança nos pares, o que traz a liberdade para fazer perguntas bobas e não dar informações sem embasamento. Um conteúdo externo, seja pra uma matéria, um artigo ou tweet, acaba complementando a história.

O segundo ponto dá suporte ao primeiro, Ou seja, o desenvolvimento da curadoria de conteúdo e como criar o repertório de referências e consultas. Isso “nos obriga a ser tolos”. Não uma pessoa estúpida e irracional, mas alguém que esteja disposta a fazer perguntas e criar espaços para que novas coisas brotem.

Lembrei dos três níveis de profundidade de conteúdo que é (era) utilizado pelo time de redes sociais da CIA: se informação é uma piscina/praia, quem fica na borda, quem nada e quem mergulha? Ou seja, uma analogia entre exploração e a quantidade e profundidade da informação desejada pela pessoa. Em um grupo diverso de pessoas e temas, existe uma mistura de públicos e níveis de conhecimento, o que é bom para todo mundo.

Então, alguém pode chegar e fazer a pergunta mais básica, seja no grupo ou Google, somente para “colocar o pé na água”. Por exemplo: “Como um esporte se torna olímpico?” ou “do que é feita a vara do salto com vara?

O twitter também é um excelente repositório de informações e curadoria e que nos permite começar a nadar. A ferramenta de listas é ótima, porque permite que você separe contas e hashtags por temas específicos, e sempre há o espaço para a interação. No caso de Tóquio, descobri uma lista feita pela Associated Press, só com os jornalistas da agência que estão cobrindo os jogos ao vivo.

Finalmente, o mergulho. Ele pode vir de várias formas. Seja explorando referências e links de um verbete da Wikipedia, por exemplo, ou por meio de um link ou de uma informação vinda de alguém no grupo, que é específica em relação ao assunto que está sendo discutido.

É muito legal ver esse processo acontecer em um espaço orgânico, onde já existe uma conexão real das pessoas e que está amplificada pelos jogos. Pense quantos desses espaços existem ao seu redor, seja entre amigos ou no trabalho.

Porque não aproveitá-los para amplificar as oportunidades de aprendizagem através de confiança e curadoria?

Fica a reflexão. 🙂

Ali Bakhtiari para unplash
Ali Bakhtiari para unplash

O RH ágil para um mundo complexo

Outro dia, recebi a indicação dessa entrevista do David Green com Tertia Wiedenhof, líder global do time de People Analytics & Insights do Rabobank. A discussão é bem interessante e traz luz para as questões que discutimos e construímos aqui na 42formas.

A entrevista gira em torno do “novo papel do RH” com a adoção do Ágil e de uma cultura de análise e coleta de dados e informações, ouvindo as pessoas da organização e transformando dados em melhorias.

Alguns pontos me chamaram a atenção.

O desafio que é ouvir as pessoas da organização e transformar esses inputs em dados. É preciso transparência para que eles fiquem disponíveis para toda a organização.

Transformar iniciativas de aprendizagem em mínimos produtos viáveis. Desenhar e prototipar as interações com e para as pessoas, incorporando as sugestões e melhorias em versões futuras.

Esses dois primeiros mostram como é urgente que as áreas de Recursos Humanos e T&D precisam sair de “provedoras” para “habilitadoras”, especialmente quando falamos de aprendizagem. Na parte da escuta, é importante partir de transparência e premissas claras e ouvir as pessoas da organização. Diga o que será feito com esses dados: identificar necessidades e oportunidades de aprendizagem, a percepção de como anda o programa de educação corporativa etc. É importante disponibilizar os dados para a organização num momento futuro.

Além disso, a ideia de transformar iniciativas de aprendizagem em mínimos produtos viáveis é muito legal. Vai de encontro à ideia de começar com metodologias ágeis e squads de pessoas ao invés de treinamentos online e grandes e extensas plataformas de educação. Prototipação, testes e melhorias baseadas em escuta ativa.

Finalmente, para Tertia, a criatividade é a habilidade mais importante para lidar com um mundo cada vez mais complexo.

Criatividade é a capacidade de pensar soluções que as pessoas ainda não haviam pensado.

Há suporte e literatura de sobra para isso: falei disso anos atrás com uma menção ao baterista Benny Greb, que sugere trocar pontos finais por interrogações, ou essa postagem recente (07/07/21) d’O Futuro das Coisas, e a incrível série do Marcos Arthur sobre o como será a aprendizagem no futuro, com um extenso estudo sobre o recente relatório do Fórum Econômico Mundial.

Comunicação, criatividade e resolução de problemas complexos formam um conjunto de habilidades  fundamental para nossos tempos complexos. É bom ver uma instituição do porte do Rabobank entendendo essa emergência e testando soluções para endereçar a situação. Mostra que mais organizações deveriam adotar uma postura semelhante.

Photo by Markus Spiske on Unsplash
Photo by Markus Spiske on Unsplash

Aprendendo fora do algoritmo

O escritor Austin Kleon é uma das pessoas que mais gosto de acompanhar o trabalho. Assino a sua newsletter, compro os livros, me identifico com vários dos seus incômodos e várias das suas provocações.

Outro dia, ele fez um post sobre “buscar fora do algoritmo”, basicamente trazendo uma provocação em volta do conceito de “o que sai é igual ao que entra”. Se queremos ser mais originais e interessantes, precisamos consumir coisas mais originais e interessantes. Segundo Kleon, um caminho para isso é fugir dos algoritmos.

Faz muito sentido. Ontem, participei de um evento de um grande centro de saúde de São Paulo que está repensando novos caminhos para o projeto de educação corporativa. Ouvimos muito sobre a infoxicação, a intoxicação pelo excesso de informação e o que podemos fazer para “escapar” disso.

Um dos caminhos possíveis é escapar dos algoritmos. O que quero dizer com isso? Em termos práticos, além de parar de rolar pelos feeds das redes sociais, é preciso praticar o pensamento crítico e o exercício da curadoria. Ou seja escolher quais assuntos queremos – e devemos – nos aprofundar e procurar de maneira ativa os conteúdos que me interessam ou são subprodutos do que estou estudando. Faça uma busca por uma hashtag específica, crie listas no twitter sob assuntos do seu interesse, busque informações em fontes confiáveis. Isso quebra a lógica de “ver as coisas de sempre”, porque o algoritmo vai parar de recomendar as postagens e as pessoas de sempre.

Afinal, se queremos continuar aprendendo ao longo da vida e criando capacidade de gerar inovação, é preciso proatividade e enxergar além dos muros. Os cursos disponíveis na plataforma da sua organização podem ser um belo ponto de partida para adquirir conhecimento. Porém, ao finalizar, ao invés de clicar nas recomendações sugeridas pelo sistema, experimente completar o raciocínio com uma pesquisa externa ou consultando a sua rede de pessoas de confiança. Coisas incríveis podem acontecer.

Experimentem e me contem. 🙂

Foto por Good Faces no Unsplash
Foto por Good Faces no Unsplash

Aprender significa olhar para outras coisas

Outro dia, vi esse tweet incrível do Mark Britz na lista que criei sobre aprendizagem, treinamento e desenvolvimento no Twitter.

“A razão pela qual a aprendizagem social nas organizações não alcançou o impacto que poderia é porque há muito foco na aprendizagem e não o suficiente no social.
Aprender é um subproduto de nossas experiências”

Parece óbvio, mas isso precisa ser reforçado sempre. Aprender é um subproduto das nossas experiências. E acredito que muitas vezes, as organizações colocam dinheiro e esforço em novas experiências e esquecem que as relações e espaços já existentes podem ser estímulos à aprendizagem.

Vou dar dois exemplos para o que eu quero dizer. Recentemente, uma pessoa muito próxima foi alocada no time que está redesenhando o LMS da empresa que trabalha. Animada, ela veio me dizer que a solução escolhida permitia a criação de comunidades de aprendizagem. Mas, essas não serão as comunidades que as pessoas utilizarão para trocar informações, especialmente em uma organização daquele porte. Já existem outras, sejam ferramentas como o Slack ou o Teams, grupos de WhatsApp ou até a hora do cafezinho.

Ou seja, ao invés de forçar o controle, o time de Treinamento e Desenvolvimento pode estimular que as pessoas continuem compartilhando e aprendendo nesses espaços seguros e já estabelecidos. Como? Por exemplo, utilizando as redes já existentes para compartilhar curadoria e iniciar discussões. Pode ser um um post no slack com um artigo relevante para o negócio da sua organização ou um vídeo de uma palestra sobre aquele tema do seu interesse. As pessoas que estão na liderança podem estimular que as outras tragam suas dúvidas e problemas e que consigam pensar em soluções de maneira colaborativa.

Outra ideia é criar uma sala (virtual ou presencial) com um espaço livre para as pessoas anotarem suas ideias e aprendizados de maneira livre. A equipe também é livre para criar rituais de celebração toda vez que essa lousa está cheia e precisará ser apagada para que o processo comece novamente.

O segundo exemplo envolve uma pessoa que estava desenvolvendo a formação inicial para o time de captação e vendas da sua organização. A demandante da área havia pedido conteúdos sobre o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e como utilizá-las no dia a dia.

(Aliás, já falamos sobre o ciclo vicioso de treinamento aqui.)

Nesse caso, acredito muito que as habilidades socioemocionais são um caminho para criar e desenvolver comunidades. Ao invés de fazer um curso sobre pensamento crítico, crie uma roda de conversa sobre o assunto, utilizando um texto ou vídeo como ferramenta de pré-trabalho e uma pessoa fazendo a moderação da conversa.

Quer falar sobre networking? Chame a pessoa que é referência na organização sobre o tema e peça para o time compartilhar suas experiências e dificuldades. São iniciativas muito mais eficientes e engajadoras do que um vídeo, um curso online ou um artigo por si só.

Nesse episódio do podcast “The Learning Hack”, Harold Jarche comenta que o papel da liderança é ajudar na inteligência da rede. Uma das formas de fazer isso é compartilhando conhecimento e fazendo isso de maneira pública, porque isso acaba informando as pessoas que não são especialistas.

O twitter é uma expressão disso, claro. Mas compartilhamento e curadoria podem – e devem – acontecer no slack, no zoom ou na hora do almoço. Se a aprendizagem é subproduto das experiências, precisamos nutrir mais espaços seguros para interagirmos e fazermos perguntas.

O que vocês acham?

[Vídeo] SXSW EDU 2021 – Primeiras reflexões

Na semana passada, a 42formas participou do SXSW EDU 2021, a conferência/festival sobre educação e aprendizagem que acontece anualmente em Austin/EUA. É nossa quinta participação no evento, que esse ano foi totalmente online.

É sempre uma experiência interessante, porque a diversidade de temas e recortes acaba balizando nossas referências e entregas para o ano. Nessa edição, três temas nos chamaram atenção: a importância de falarmos sobre traumas e dores na volta à vida normal, não existe solução única para a educação e é preciso repensar (de vez) a formação para o trabalho.

Como de praxe, fizemos lives ao final de cada dia contando um pouco do que vimos e trazendo a opinião de pessoas convidadas. Você pode conferir essas lives aqui.

Enquanto os textos e artigos ficam prontos, convido vocês a assistirem esse vídeo. Nele, compartilho um pouco da experiência de um festival online e também sobre os temas acima.

 

Silhuetas de crianças descendo um morro contra um pôr do sol laranja e lilás.
Photo by Rene Bernal on Unsplash

Como será a aprendizagem no futuro? (Parte 2 de N)

No primeiro texto da série, eu havia prometido falar sobre como a autogestão pode influenciar a aprendizagem nos próximos anos e aqui estou, carregado com as experiências e as bagagens de 2020, com convicções reforçadas sobre o quanto a autonomia é fundamental. Para não dizer que isso é apenas (mais) uma opinião, trago um trecho da análise do Fórum Econômico Mundial sobre as dez habilidades mais importantes para o mundo do trabalho até 2025:

“Pensamento crítico e resolução de problemas estão no topo da lista de habilidades consideradas pelos empregadores como as mais proeminentes nos próximos cinco anos. Elas têm sido consistentes desde o primeiro relatório em 2016.

“Mas este ano estão surgindo novas habilidades em autogerenciamento, como aprendizagem ativa, resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade” (grifo meu).

Recorte do relatório do Fórum Econômico Mundial de 2020 sobre o futuro do trabalho. O trecho mostran as habilidades mais importantes para as empresas até 2025.

Recorte do “The future of jobs report 2020”, publicado em outubro passado.

De acordo com o relatório do Fórum sobre o futuro do trabalho, as habilidades do grupo autogerenciamento têm a terceira maior importância relativa entre as companhias entrevistadas, com demanda crescente em aproximadamente 60% delas. No que tange às habilidades específicas, aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem estão no segundo lugar do ranking, perdendo apenas para pensamento analítico e inovação.

Mas… podemos dizer que autogerenciamento e autogestão são a mesma coisa? Sim e não. No inglês, as duas palavras se traduzem como self-management, que significa “gestão de ou por si mesmo; responsabilidade pelo próprio comportamento ou bem-estar” (Oxford Languages). Já no português (Caldas Aulete), autogerenciamento é a “capacidade e ação de se autogerenciar, de gerir a própria atividade, os próprios negócios, a própria carreira profissional etc.”, enquanto autogestão significa “direção e/ou gerenciamento de uma empresa pelos próprios empregados”.

Até aqui usei “autogerenciamento” para designar o grupo de habilidades especificadas no relatório do Fórum. Vou falar agora sobre a autogestão. No livro Reinventando as organizações, Frederic Laloux a coloca como parte do tripé das organizações teal, mais alto estágio evolutivo mapeado pelo autor. A obra propõe uma concepção mais específica da autogestão, colocando-a como “a chave para operar de forma eficaz, mesmo em grande escala, com um sistema baseado no relacionamento entre pares, sem a necessidade de hierarquia ou consenso”.

Capa do livro "Reinventando as organizações", de Frederic Laloux.

Publicado em 2014, o livro de Laloux propõe uma revisão geral dos paradigmas de gestão empresarial.

Na prática

A definição proposta por Rodrigo Bastos, parceiro na empresa Target Teal, põe a coisa em termos práticos. Segundo ele, a autogestão é um “conjunto de práticas organizacionais que buscam distribuir a autoridade, dando clareza de responsabilidades e o máximo de autonomia a cada integrante da organização. Nesse caso, as pessoas deixam de reportar a um superior, porém seguem um conjunto de regras e acordos firmados coletivamente. Esses acordos formam uma estrutura organizacional que não exige que todos tenham o mesmo poder de decisão e autoridade, apenas deixa claro como isso é feito e impede a relação de chefe-subordinado”.

Aqui chegamos ao ponto: para atingir o mais alto grau evolutivo – teal – uma organização precisa abrir mão da cadeia de comando e controle e adotar práticas de autogestão que, por sua vez, exige das pessoas o desenvolvimento contínuo de habilidades em autogerenciamento. Pode parecer utópico, mas não é. Várias empresas de diferentes portes e segmentos já atuam dessa forma ao redor do mundo. Para citar alguns exemplos: Buurtzorg (saúde, 10 mil profissionais, Holanda), Vagas (recrutamento e seleção, 140 profissionais, Brasil), Zappos (varejo on-line de calçados e roupas, 1,5 mil profissionais, EUA).

 

Autodireção

O que isso tudo tem a ver com a aprendizagem no futuro? Quem leu o post anterior deve se lembrar que eu destaquei a agilidade como um dos aspectos fundamentais dela, e que um dos pilares da aprendizagem ágil é a autodireção. Malcolm Knowles, considerado o pai da andragogia, define aprendizagem autodirigida como “um processo no qual os indivíduos tomam a iniciativa de, com ou sem a ajuda de outros, diagnosticar suas necessidades de aprendizagem, formular objetivos, identificar recursos humanos e materiais e avaliar os resultados”. Ora, o que seria isso senão uma habilidade de autogerenciamento que reflete exatamente aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem?

Endereçada a questão individual (gerenciamento), passemos à coletiva: autogestão. Se ela preconiza o exercício da autonomia pelas pessoas em uma organização, isso significa que elas são livres para, partindo dos acordos estabelecidos, tomar suas decisões baseadas única e exclusivamente na autorresponsabilidade. Isso inclui, naturalmente, decidir sobre a própria aprendizagem exatamente nos contornos definidos por Malcolm Knowles e outros pesquisadores como Blake Boles ou Ian Cunningham.* Então, podemos dizer que os membros de uma organização autogerida precisam aprender de forma autodirigida.

Por fim, talvez possamos concluir que aprendizes autodirigidos, por já apresentarem uma inclinação natural à autonomia, tenham mais propensão a trabalhar em organizações que já adotaram a autogestão – ou fundar seus próprios negócios com base nos princípios dela. Faz sentido?

Trecho de evento on-line sobre o Núcleo de Aprendizagem Ágil da Concert Technologies. O slide na tela mostra os números do projeto.

Indicadores do Núcleo de Aprendizagem Ágil da Concert Technologies, imprementado desde setembro de 2020

 

Logo…

Retomando o relatório do Fórum, se há uma tendência nas empresas pela busca de habilidades em autogerenciamento, é bem provável que tenhamos, no futuro, muito mais organizações autogeridas e pessoas aprendendo de forma autodirigida. O caminho ainda me parece bem longo até que esse seja o modelo dominante, mas os primeiros passos já foram dados e vêm atraindo seguidores.

É curioso imaginar que a aprendizagem no futuro nos remete à forma como as crianças mais novas aprendem hoje, e irônico pensar que amanhã voltaremos a aprender como nossos ancestrais o faziam no passado mais remoto. Pode ser o enredo fantástico de um filme de ficção científica ou simplesmente a natureza nos lembrando de onde viemos – e para onde vamos.

E você, o que pensa sobre tudo isso?

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*Enquanto Knowles e Boles usam a expressão self-directed learning para falar de aprendizagem autodirigida de maneira geral, Cunningham adota o termo Self Managed Learning (SML), que propõe um conceito mais voltado para o contexto organizacional.

Referências

What are the top 10 job skills for the future? | World Economic Forum

The Future of Jobs Report 2020 | World Economic Forum

Livro: Reinventing organizations: a guide to create organizations inspired by the next stage of human consciousness – Frederic Laloux (reinventingorganizations.com)

O que é autogestão? Definição, vantagens, exemplos e como fazer

Livro: Self-directed learning: a guide for learners and teachers – Malcolm S. Knowles

Livro: A arte da aprendizagem autodirigida – Blake Boles (Tradução: Alex Bretas)

The Centre for Self Managed Learning

Self Managed Learning, Definition and Discussion

Leia também:

Como será a aprendizagem no futuro? (Parte 1 de N)

Existo, logo aprendo – Parte 1: Educação X Aprendizagem