No primeiro texto da série, eu havia prometido falar sobre como a autogestão pode influenciar a aprendizagem nos próximos anos e aqui estou, carregado com as experiências e as bagagens de 2020, com convicções reforçadas sobre o quanto a autonomia é fundamental. Para não dizer que isso é apenas (mais) uma opinião, trago um trecho da análise do Fórum Econômico Mundial sobre as dez habilidades mais importantes para o mundo do trabalho até 2025:
“Pensamento crítico e resolução de problemas estão no topo da lista de habilidades consideradas pelos empregadores como as mais proeminentes nos próximos cinco anos. Elas têm sido consistentes desde o primeiro relatório em 2016.
“Mas este ano estão surgindo novas habilidades em autogerenciamento, como aprendizagem ativa, resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade” (grifo meu).
De acordo com o relatório do Fórum sobre o futuro do trabalho, as habilidades do grupo autogerenciamento têm a terceira maior importância relativa entre as companhias entrevistadas, com demanda crescente em aproximadamente 60% delas. No que tange às habilidades específicas, aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem estão no segundo lugar do ranking, perdendo apenas para pensamento analítico e inovação.
Mas… podemos dizer que autogerenciamento e autogestão são a mesma coisa? Sim e não. No inglês, as duas palavras se traduzem como self-management, que significa “gestão de ou por si mesmo; responsabilidade pelo próprio comportamento ou bem-estar” (Oxford Languages). Já no português (Caldas Aulete), autogerenciamento é a “capacidade e ação de se autogerenciar, de gerir a própria atividade, os próprios negócios, a própria carreira profissional etc.”, enquanto autogestão significa “direção e/ou gerenciamento de uma empresa pelos próprios empregados”.
Até aqui usei “autogerenciamento” para designar o grupo de habilidades especificadas no relatório do Fórum. Vou falar agora sobre a autogestão. No livro Reinventando as organizações, Frederic Laloux a coloca como parte do tripé das organizações teal, mais alto estágio evolutivo mapeado pelo autor. A obra propõe uma concepção mais específica da autogestão, colocando-a como “a chave para operar de forma eficaz, mesmo em grande escala, com um sistema baseado no relacionamento entre pares, sem a necessidade de hierarquia ou consenso”.
Na prática
A definição proposta por Rodrigo Bastos, parceiro na empresa Target Teal, põe a coisa em termos práticos. Segundo ele, a autogestão é um “conjunto de práticas organizacionais que buscam distribuir a autoridade, dando clareza de responsabilidades e o máximo de autonomia a cada integrante da organização. Nesse caso, as pessoas deixam de reportar a um superior, porém seguem um conjunto de regras e acordos firmados coletivamente. Esses acordos formam uma estrutura organizacional que não exige que todos tenham o mesmo poder de decisão e autoridade, apenas deixa claro como isso é feito e impede a relação de chefe-subordinado”.
Aqui chegamos ao ponto: para atingir o mais alto grau evolutivo – teal – uma organização precisa abrir mão da cadeia de comando e controle e adotar práticas de autogestão que, por sua vez, exige das pessoas o desenvolvimento contínuo de habilidades em autogerenciamento. Pode parecer utópico, mas não é. Várias empresas de diferentes portes e segmentos já atuam dessa forma ao redor do mundo. Para citar alguns exemplos: Buurtzorg (saúde, 10 mil profissionais, Holanda), Vagas (recrutamento e seleção, 140 profissionais, Brasil), Zappos (varejo on-line de calçados e roupas, 1,5 mil profissionais, EUA).
Autodireção
O que isso tudo tem a ver com a aprendizagem no futuro? Quem leu o post anterior deve se lembrar que eu destaquei a agilidade como um dos aspectos fundamentais dela, e que um dos pilares da aprendizagem ágil é a autodireção. Malcolm Knowles, considerado o pai da andragogia, define aprendizagem autodirigida como “um processo no qual os indivíduos tomam a iniciativa de, com ou sem a ajuda de outros, diagnosticar suas necessidades de aprendizagem, formular objetivos, identificar recursos humanos e materiais e avaliar os resultados”. Ora, o que seria isso senão uma habilidade de autogerenciamento que reflete exatamente aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem?
Endereçada a questão individual (gerenciamento), passemos à coletiva: autogestão. Se ela preconiza o exercício da autonomia pelas pessoas em uma organização, isso significa que elas são livres para, partindo dos acordos estabelecidos, tomar suas decisões baseadas única e exclusivamente na autorresponsabilidade. Isso inclui, naturalmente, decidir sobre a própria aprendizagem exatamente nos contornos definidos por Malcolm Knowles e outros pesquisadores como Blake Boles ou Ian Cunningham.* Então, podemos dizer que os membros de uma organização autogerida precisam aprender de forma autodirigida.
Por fim, talvez possamos concluir que aprendizes autodirigidos, por já apresentarem uma inclinação natural à autonomia, tenham mais propensão a trabalhar em organizações que já adotaram a autogestão – ou fundar seus próprios negócios com base nos princípios dela. Faz sentido?
Logo…
Retomando o relatório do Fórum, se há uma tendência nas empresas pela busca de habilidades em autogerenciamento, é bem provável que tenhamos, no futuro, muito mais organizações autogeridas e pessoas aprendendo de forma autodirigida. O caminho ainda me parece bem longo até que esse seja o modelo dominante, mas os primeiros passos já foram dados e vêm atraindo seguidores.
É curioso imaginar que a aprendizagem no futuro nos remete à forma como as crianças mais novas aprendem hoje, e irônico pensar que amanhã voltaremos a aprender como nossos ancestrais o faziam no passado mais remoto. Pode ser o enredo fantástico de um filme de ficção científica ou simplesmente a natureza nos lembrando de onde viemos – e para onde vamos.
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*Enquanto Knowles e Boles usam a expressão self-directed learning para falar de aprendizagem autodirigida de maneira geral, Cunningham adota o termo Self Managed Learning (SML), que propõe um conceito mais voltado para o contexto organizacional.
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Referências
What are the top 10 job skills for the future? | World Economic Forum
The Future of Jobs Report 2020 | World Economic Forum
Livro: Reinventing organizations: a guide to create organizations inspired by the next stage of human consciousness – Frederic Laloux (reinventingorganizations.com)
O que é autogestão? Definição, vantagens, exemplos e como fazer
Livro: Self-directed learning: a guide for learners and teachers – Malcolm S. Knowles
Livro: A arte da aprendizagem autodirigida – Blake Boles (Tradução: Alex Bretas)
The Centre for Self Managed Learning
Self Managed Learning, Definition and Discussion
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Leia também:
Fernando Bitencourt Teobaldo
Bacana seu texto Marcolino. É tudo que eu sempre acreditei. Interessante como das 15 habilidades mais importantes para 2025, apenas 4 estão relacionadas às pessoas, sendo 3 delas mais ligadas ao indivíduo. O autocentrismo estará em alta? Fica a provocação. Grande abraço!
Marcos Arthur
Muito obrigado, meu caro! Bom saber que você gostou. Quando você diz que apenas quatro habilidades estão relacionadas às pessoas, quais seriam exatamente? (Pergunto porque não sei se captei bem o seu critério.) De qualquer forma, ao meu ver, já faz um tempo que o individualismo está em alta, e talvez continue por mais um bom período. Mas eu, como otimista que sou, também acredito que várias dessas habilidades podem ter fortes reflexos sobre as pessoas e como elas se relacionam, de maneira positiva. Por exemplo, quando olho para “pensamento crítico e análise” (item 4 da lista), imagino um cenário em que as pessoas sejam mais capazes de compreender o quanto o coletivo é fundamental para o bem-estar geral, inclusive do indivíduo. Seria muito romantismo? 🙂