Há uma espécie de consenso mundial, uma unanimidade, a respeito de que relações de parceria, negociações ou mesmo relações de consumo sejam “ganha-ganha”. Há quem diga “ganha-ganha-ganha” ou ainda “ganha-ganha-ganha-ganha”. Na verdade, não importa a quantidade de “ganhas”, mas na teoria todo mundo defende que é sempre melhor, mais sustentável e mais justo que nas relações entre pessoas, físicas e jurídicas, se busque sempre aquela em que todas as partes ganham (como o próprio nome diz).
Mas na prática a teoria tem se mostrado diferente. Forjar parcerias ganha-ganha não parece estar na lista de prioridades das empresas e das pessoas de modo geral. E numa análise superficial, poderíamos criticar nossa sociedade apontando para o inconfundível estandarte da hipocrisia como causa dessa distância entre discurso e prática.
Mas eu vou pedir um minuto seu para uma análise um pouco mais profunda, antes que a gente condene a humanidade de maneira sumária. Meu argumento de defesa está baseado principalmente na dificuldade que as pessoas têm de compreender quatro fatores que influenciam a formação de uma parceira ganha-ganha e em como, num impulso de insegurança, as pessoas buscam se proteger daquilo que não compreendem. Explico:
Como eu disse, há quatro fatores que influenciam ou determinam a formação de uma parceria, ou relação ganha-ganha. Os três primeiros, apesar de não necessariamente determinarem o sucesso desse tipo de relação, são os fatores que determinam a dificuldade ou a facilidade que você vai encontrar numa mesa de negociação ao tentar forjar uma relação ganha-ganha.
Precisamos entender que, quanto mais equilibradas as forças entre as partes, mais fácil será concretizar uma relação ganha-ganha
O segundo fator é a Percepção de Valor que uma parte tem da outra parte. A diferença entre este fator e o primeiro é que este é completamente subjetivo e relativo, pois não se trata do valor que eu acho que eu tenho ou minha empresa tem, mas sim o valor que um parceiro vê em mim, ou na minha empresa, ou naquilo que eu posso fazer por ele. Voltando ao exemplo da Ferrari, se você imaginar que eles estariam procurando um “segundo piloto” e não um principal, é possível que eles percebessem mais valor em outro piloto qualquer do que no Ayrton Senna. O excesso de talento dele poderia vir a ser um problema para a Escuderia, que teria que administrar uma possível briga de dois pilotos. Quando as partes percebem que a outra parte traz bastante valor para uma parceria ou negociação, as possibilidades de se forjar uma parceria ganha-ganha aumentam. Quando uma das parte não acredita que a outra parte pode trazer um valor considerável, essas possibilidades diminuem. Mas assim como no primeiro fator, pelo menos na teoria, o desequilíbrio entre as percepções de valor não impede que a relação ganha-ganha aconteça.
O terceiro fator é o Investimento Necessário para se formar a parceria. Ou seja, o quanto as partes precisam investir para que a parceria ou negociação aconteça. Muitas vezes é necessário investir recursos (dinheiro, tempo, pessoas etc) para iniciar uma parceria. Imagine que você está fechando uma parceria com uma empresa de comércio eletrônico para vender seus produtos num market place exclusivo para a sua marca. Nesse caso o seu parceiro terá que investir alguns recursos para customizar a sua página. Mas, além dos recursos, é importante somar nesta conta aquilo do que as partes precisam abrir mão para entrar numa parceria. Por exemplo, quando uma agência de publicidade pega a conta de uma empresa, normalmente ela precisa abrir mão de concorrer a contas de outras empresas do mesmo segmento. Neste fator, quanto menos recursos as partes tenham que investir, ou abrir mão, mais fácil torna-se concretizar uma parceria ganha-ganha. Outra forma desse fator influenciar a negociação é a relativização dos investimentos. Ou seja se uma parte precisa investir muito mais do que a outra, as chances de uma parceria ganha-ganha diminuem. A exemplo dos dois primeiros fatores, apesar de influenciar muito, esse também não inviabiliza uma parceria ganha-ganha, pelo menos na teoria.
Abro parênteses para esclarecer que esses três fatores também se compensam entre si. Ou seja, pode ser que uma das partes na negociação precise investir muito, ou abrir mão de muita coisa (é muito comum na relação empregado/empregador – sim, essa pode ser uma relação ganha-ganha também – pois o empregado quando aceita o emprego abre mão de todas as outras empresas naquele momento), mas por outro lado, a percepção de valor seja muito alta (nesse exemplo do empregado/empregador o empregado pode ver muito valor na empresa que o está contratando, pelo salário, ou mesmo pelo histórico profissional que ele poderá construir). Essa compensação entre os fatores, quando acontece, também favorece uma parceria ganha-ganha.
O quarto fator é o único dos quatro que é imprescindível para se forjar uma relação ganha-ganha. Trata-se da Determinação das partes em forjar parcerias ganha-ganha. Na prática, significa dizer que, quando um não quer, dois não fazem uma parceria ganha-ganha, não importa o quão favorável sejam os demais fatores. Em alguns casos, pode-se também chamar esse fator de boa-fé.
Mas, se o fator Determinação é assim tão imprescindível, porque perder tempo entendo os demais? Não basta apenas verificar se existe a tal determinação de ambas as partes e pronto? Isso seria verdade quando tratamos a determinação como boa-fé, ou melhor, a falta dela. Se uma das partes, ou as duas, tem agendas ocultas ou não estão agindo de boa-fé, definitivamente não importa como se apresentam os demais fatores.
No entanto, tratando esse fator realmente como Determinação, como eu disse anteriormente, os demais fatores poderão encorajar ou desencorajar as partes em buscar uma parceria ganha-ganha, porque entra em cena a insegurança, também já mencionada. A insegurança em muitas vezes (ou em quase todas), é resultado da incerteza. Eis aí a importância de se mapear os três primeiros fatores.
O mapeamento do Equilíbrio das Forças, da Percepção de Valor e do Investimento Necessário vão trazer clareza aos pontos de desequilíbrio.
A minha conclusão é de que vemos muito mais parcerias leoninas ou injustas não porque as pessoas sempre agem de má fé. Muitas vezes a falta de um entendimento amplo da parceria, do mapeamento de todos os fatores, faz com que as pessoas busquem medidas de proteção, buscando a maior vantagem possível numa relação, mesmo que isso prejudique ou oprima a outra parte, por não ter a segurança de que todos os riscos estão na conta. Desta forma, a insegurança fica no controle e a determinação em realizar parcerias vai por água abaixo.
A mensagem aqui é: não basta você acreditar que é possível, que é melhor para todos criar parcerias onde todos ganham. Para ver isso acontecer com mais frequência, devemos nos esforçar para entender a parceria por todos os ângulos, enxergar a negociação com os olhos da outra parte e, claro, nos afastar daqueles que, independente do assunto, querem simplesmente levar vantagem em tudo.