Quando as referências vêm dos lugares mais improváveis

Vocês também têm a impressão de que, eventualmente, as melhores referências vem dos lugares mais improváveis? Tipo, uma referência de arte que pode ser aplicada na nossa vida profissional, ou um artigo sobre música que seria perfeito para o esporte. Esses cruzamentos acontecem direto comigo. De vez em quando eu preciso forçar um pouco, mas é uma atividade que me diverte bastante e ajuda a manter a criatividade em ordem.

Pois bem, outro dia eu cruzei com este vídeo do Benny Greb, um dos bateristas mais criativos que conheço e dono de um groove sensacional. É uma masterclass promovida pelo Drumeo, um canal sobre bateria no YouTube.

Em determinado momento do vídeo, quando perguntado sobre o aspecto mental de tocar bateria, Greb levanta um ponto interessante em sua resposta. Ele fala que há um senso comum entre os bateristas que para ter mais repertório ou fazer viradas mais interessantes você precisa ouvir música e estudar feito um condenado. É claro que são coisas necessárias e importantes, mas, segundo o baterista, é igualmente importante também treinar nossas mentes, fundamentando o argumento ao explicar o que acontece em todos os seus workshops. Ele chama alguém da plateia e pede para a pessoa tocar um groove. 99,9% das vezes, em qualquer lugar do mundo, o groove e as viradas seguem a mesma estrutura.

Veja aí abaixo, a explicação começa aos 50:07. A gente continua a conversa depois do vídeo.

Pois bem, Benny Greb falando deve ter sido mais legal do que eu explicando. E se você viu todo o trecho, certamente prestou atenção no resto do argumento. Como ele disse, é claro que escutar música e estudar são coisas importantes, mas, trocar as afirmações por perguntas é igualmente importante.

“Toda virada deve usar ton-tons e terminar no prato(?)” ou “Toda virada deve ter mais notas do que o groove(?)”

Quando você transforma uma afirmação numa pergunta, sua percepção sobre aquele assunto muda, sem ter necessariamente aprendido adicionado algo novo ao seu repertório. É uma abordagem quase experimental, de não dar nada como garantido e ser curioso sempre. Deve ser o que cientistas fazem, eu imagino, e eu já estava dando o assunto por encerrado.

something_to_food_about

Something to Food About – Ahmir Questlove Thompson

Mas aí eu pensei no outro lado, na importância do repertório e do estudo. Ou seja, a quantidade de horas dedicadas ao aperfeiçoamento de uma habilidade, seja de maneira formal ou não. E o quanto elas são importantes para você começar a trocar os pontos finais por interrogações. Na hora lembrei de um livro que estou lendo e adorando, o Something to Food About, do Questlove, também baterista, além de DJ e produtor. O livro é uma coletânea de entrevistas com chefs dos Estados Unidos sobre cozinha e processo criativo. É tão legal que vai merecer um post próprio. De qualquer maneira, um dos chefs, Daniel Humm, faz um comentário interessantíssimo.

 

 

 

 

“Acho que para qualquer grande artista em qualquer coisa – seja arquitetura, arte, música ou comida – você tem que entender as regras fundamentais antes de quebrá-las”

 

Ou seja, antes de questionar, você precisa saber o que questionar e isso faz toda a diferença. Meio conflitante, né? Mas acaba fazendo sentido e eu acho que esse é o resumo dessa história toda. O balanço entre o que chamamos de bagagem, repertório, formação e essa capacidade de maquinar as coisas. Principalmente para fugir 1) das limitações impostas pelas afirmações e 2) do perigo da procrastinação.

No primeiro caso, e só para ficar com os meus dramas profissionais, é não conseguir desenvolver coisas relevantes por conta de afirmações tipo:

“Seu conteúdo só será interessante se você tiver uma boa câmera(?)”

“Todo e-learning deve ter uma avaliação no final(?)”

O Instagram está aí para provar que o equipamento é só um meio para a história ser contada. E no caso do e-learning, a Khan Academy não tem uma avaliação no final de cada curso, apenas o propósito da peça sendo cumprido por ela própria.

O segundo caso é um conflito que muita gente tem todos os dias. Consiste em pensar “só posso começar a fazer X quando tiver Y”, onde Y é algo totalmente desnecessário. Por exemplo, eu achava que um podcast só seria possível com um microfone decente e uma super produção. Nas primeiras 40 edições do Ainda Sem Nome eu usei todo o tipo possivel de microfones baratos, até finalmente ter um Blue Yeti. Além disso, eu e o Caio, meu parceiro de empreitada, utilizamos aquele período para aprender sobre como fazer podcasts e construir uma audiência que nos acompanhou até o hiato de produção.

Agora, se eventualmente Y for realmente necessário, acho válido tentar chegar o mais perto possível de X. Pelo menos você vai aprender alguma nova habilidade, o que é sempre bom.

Chega, né? Esse foi só um exemplo de como duas referências, uma da música, outra da gastronomia, podem ser extrapoladas e utilizadas no nosso dia-a-dia. Ok, as duas versam sobre criatividade, mas vem de universos bem diferentes.

Você tem alguma referência desse tipo? Compartilhe aqui com a gente.


Postado originalmente aqui.

A Filosofia e nossos empregos automatizados

A gente fala muito sobre as habilidades que as crianças e jovens precisarão ter para ingressar no mercado de trabalho no futuro. Com a automatização das funções e com os empregos que serão tomados por robôs e afins, muito da discussão sobre formação gira em torno do reforço em ciência, tecnologia, engenharia e matemática. A esperança é que essas disciplinas deem a formação para arrumar um emprego no futuro.

Nessa situação onde a qualificação técnica vai deixar de ser uma vantagem competitiva, o conhecimento de disciplinas transversais será necessário para responder às perguntas que não estão no Google: Quais são as ramificações éticas da automação? Quais são as consequências políticas do desemprego em massa? Como a gente deve distribuir a riqueza em uma sociedade cada vez mais digital.

Segundo esta matéria do The Guardian, a resposta está na filosofia. “Com a automação dos empregos e o conhecimento sendo desvalorizado, os humanos precisam redescobrir o pensamento flexível” e só a filosofia pode ajudar nisso.

O centro da história é Michael D. Higgins, presidente da Irlanda. Em 2013, no pós-crise financeira, Higgins lançou um debate nacional sobre o que a Irlanda valorizava como sociedade. O resultado foi a inclusão da Filosofia no currículo escolar, como matéria optativa para estudantes de 12 a 16 anos.

“A Filosofia na sala de aula oferece um caminho para uma sociedade humanista e vibrante democraticamente”- Michael D. Higgins

Ajudando o povo de humanas a fazer miçanga

É um questionamento interessante, porque oferece um contraponto ao dogma de que só as matérias da área de exatas são necessárias para a formação das pessoas e da força de trabalho. A visão que a área de humanas traz para a mesa pode nos ajudar a compreender outras nuances do mundo e, porque não, transformam-se num diferencial de formação. A gente podia falar de outras disciplinas que não somente a filosofia, mas esse é o exemplo do texto e vamos ficar nele.

No entanto, existem algumas barreiras que precisam ser derrubadas. A primeira é a visão de que a filosofia é algo difícil de ser ensinado e isso depende tanto dos educadores, que precisam ver sentido na disciplina, quanto de alguns filósofos, que ainda acham que o objeto de estudo ainda está restrito às suas salas.

Outro ponto é que a filosofia requer tudo o que não estamos vendo atualmente: que estejamos abertos ao diálogo, a ponderar diferentes pontos de vistas e nossos próprios dogmas na construção de algo comum. Esses dois pontos conversam quando vemos crenças do tipo: “A inteligência de uma sociedade é medida pela quantidade de prêmios Nobel”, algo que o Alexandre Garcia disse em 2011, por exemplo. Não, não é assim. É preciso que a sociedade entenda que as disciplinas de humanas são tão importantes quanto às de exatas ou biológicas e essa troca e transversalidade de conhecimentos é que fazem a “régua da inteligência” de uma sociedade.

No entanto, como o próprio texto do The Guardian fala, pensar e o desejo de entender as coisas não vem de maneira natural. É preciso estimular esses questionamentos e pensamentos de maneira estruturada para se ter sucesso. Na época dos 140 caracteres, das “não-verdades” e das afirmativas rasas, esse seja um dos desafios: entender que é preciso um tempo para articular pensamentos e ponderar pontos de vistas distintos. O outro é formar educadores e espaços que estimulem essa prática.

Talvez isso não vai trazer os empregos de volta ou criar novos postos de trabalho, mas pode criar uma casca e um pensamento crítico contra julgamentos sem sentido além de nos ajudar a questionar o que damos por garantido. E só temos a ganhar com isso.

Post original aqui: http://www.felipemenhem.com.br/2017/01/13/filosofia-e-nossos-empregos-automatizados/

Os sites mais improváveis para você aprender alguma coisa

Uma das coisas maravilhosas da internet, além das listas do Spotify, das fotos de lontra e a imensa quantidade de brigas sem sentido que você pode entrar, é a facilidade para aprender coisas novas. E muito além das plataformas estabelecidas, como o Lynda ou o Coursera, tenho percebido que fóruns, o Youtube e sites como o Quora e o Reddit são excelentes espaços para aprender e descobrir mais coisas.

Não acho que há uma rivalidade aí, entre os MOOCs e esses sites, uma vez que os propósitos de aprendizado são diferentes. Digamos que eu queira aprender a utilizar o Adobe Premiere. Faz mais sentido eu buscar uma aula no Lynda, que irá trazer um conteúdo completo sobre o Premiere. Agora, se é para resolver uma dúvida pontual, que apareceu na hora, não penso duas vezes, vou buscar ajuda em outros sites.

Agora, quer ver como funciona essa busca “on-demand”? Outro dia, fui fazer uma gravação em um cliente e enquanto montava e ligava os equipamentos, percebi que um dos microfones que peguei com um amigo não estava sincronizado com o receptor. Tive aquele leve momento de pânico, afinal meu amigo não atendia e achar o manual no site estava fora de cogitação. Recorri ao YouTube para aprender a fazer essa sincronização. Dezenas de vídeos ofereciam a solução, desde um oficial da marca até aqueles feitos pelas pessoas normais, feito eu e você. Precisei de alguns minutos para resolver meu problema.

O YouTube é ótimo não só para resolver os pepinos que aparecem na hora, mas também para outros aprendizados. Um bom exemplo é o Kurgesagt, canal alemão com animações sobre assuntos “complexos”. Esse vídeo sobre a Teoria do Falso Vácuo, por exemplo, foi a melhor aula que eu já tive sobre o assunto.

Os fóruns também são excelentes porque tratam de assuntos de nicho. Você está conversando com pessoas feito você, que passaram pelos mesmos problemas e acharam as soluções. Pode ser para um problema no seu DVD, pode ser para você descobrir qual é o melhor bluetooth para o rádio do seu carro.

O Quora é perigoso e viciante feito a Wikipedia, Kerbal Space Program, Coca-Cola gelada e sorvete. Uma vez lá dentro é difícil sair. Pra quem não conhece, o site é um Yahoo! Respostas altamente qualificado. Num nível absurdo, tipo o Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, respondendo sobre o ensino de xadrez para crianças. É incrível ver a quantidade de conhecimento que rola por lá, especialmente em tópicos específicos, como Aviação. Um dos pontos legais é que os próprios usuários fazem a moderação do conteúdo, avaliando a qualidade das respostas. (Aliás, recomendo essa discussão sobre o sentido da vida).

FInalmente, o Reddit, o site onde os próprios usuários também votam a qualidade dos comentários e é repositório para todo tipo de assunto que você imagina. Um dos pontos altos pra mim são os AMA, ou Ask Me Anything, onde pessoas abrem espaço para que os outros usuários perguntem qualquer coisa. Muito legal, né?

Pontos para se observar

Seja qual for a plataforma, eu acho que precisamos ficar atentos a dois pontos. O primeiro é a curadoria. Com essa quantidade infinita de conteúdo, é importante você descobrir os assuntos que te interessam e como gerenciar estes interesses. O Quora, por exemplo, oferece um e-mail com os assuntos que você acompanha.

O segundo é a colaboração. Todas estas plataformas têm conteúdo gerado por gente como a gente. É bacana ter uma postura proativa e colaborar com os assuntos que você conhece e pode ajudar na discussão. Dessa forma, todo mundo saí ganhando e o conhecimento é compartilhado.

E você? Gosta de aprender de qual forma?

Post originalmente publicado aqui.

Manuscripts and Archives Division, The New York Public Library. "Open Door meeting, 1929." The New York Public Library Digital Collections. 1890 - 1960. http://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-7813-a3d9-e040-e00a18064a99
Manuscripts and Archives Division, The New York Public Library. "Open Door meeting, 1929." The New York Public Library Digital Collections. 1890 - 1960. http://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e2-7813-a3d9-e040-e00a18064a99

Uma reunião de condomínio é só mais uma reunião

Eu moro no último andar de um prédio pequeno. São só cinco unidades, sendo que uma delas é um escritório de arquitetura. O bom é que você acaba ficando mais próximo de alguns e acaba encontrando todo mundo chegando ou saindo do prédio, é simples assim. Porém, prédio pequeno também tem aquilo que 105% dos moradores de prédios, sejam grandes ou pequenos, odeiam: síndico e reunião de condomínio.

Pois bem, há algum tempo fui aclamado como síndico. Notem bem a palavra, “aclamado”. Eu não queria, mas o resto do prédio achou que era a minha vez, tudo bem. A demanda é pequena, tudo é, em tese, fácil de resolver.

Até a primeira reunião de condomínio.

Foi nela que percebi que uma reunião de condomínio é como uma reunião de trabalho qualquer. Tem os que chegam no horário, tem os que atrasam. Tem os que prestam atenção, tem os que não estão nem aí. Tem os que querem colaborar, os que não querem. E você tenta navegar no meio disso tudo.

Aqui a gente havia começado bem. Já havíamos feito a prestação de contas, discutimos o problema da TV a Cabo (alô, NET, metade do prédio já mudou pro concorrente) e estávamos avançando na questão das obras quando chegou o atrasado. Não só atrasado, devo dizer. Como em um diagrama de Venn, ele se encaixou em todos grupos que gostam de esculhambar as reuniões.

Como em toda reunião de trabalho, o atrasado segue um protocolo. Depois de quebrar o ritmo do encontro, ele pede desculpas e pede uma recapitulação do que foi falado (e decidido) até então. Ao invés de ouvir para depois falar, ele prefere interromper. E em seguida, não presta atenção em mais nada.

Daí pra frente, amigas e amigos, tudo está maculado para sempre. E, juro, tentei seguir as três regras do Rework sobre reuniões:

  • Coloque um timer para 30 minutos. Quando tocar, acabou a reunião. Ponto.
  • Convide o menor número possível de pessoas (essa era fácil)
  • Nunca faça uma reunião sem uma agenda clara.

Não foi possível. A reunião durou muito mais do que o necessário e demoramos mais tempo para resolver as coisas. Mas resolvemos. Ou acho que resolvemos, porque dois dias depois, a mesma pessoa me interfonou dizendo que “conversamos, conversamos, mas não resolvemos nada”. Me deu vontade de bater a cabeça na parede.

A gente sabe que reuniões são muito chatas, mas se seguirmos as regrinhas acima e tivermos um pouco de boa vontade, o momento pode ser melhor aproveitado. Se você for o organizador da reunião, é importante que você esteja comprometido com o tempo e com o que foi combinado. Se você for um dos convidados, colaborar é importante. E se você chegar atrasado, bem, pelo menos não atrapalhe o encontro. 😉

Publicado originalmente no meu blog.

Foto: Marcos Arthur
Foto: Marcos Arthur

South by Southstories #2

Eram aproximadamente duas horas da manhã quando, ao terminar mais um dia de sessões e trabalhos no SXSW – e uma (literal) lavação de roupas (ficar fora por longos períodos requer esse tipo de providência) – eu e a minha cara-metade Marina nos dirigimos até o quarto em que estávamos no Drifter Jack’s para um merecido descanso. O dia seguinte começaria cedo e estávamos ávidos por uma boa noite de sono.

Comecei a escalada até a cama de cima do beliche em que estava alojado – logo acima do Felipe – quando tive uma desagradável surpresa: alguém estava ocupando o meu lugar. Tratava-se de um desavisado que, por alguma razão, havia ido parar no nosso quarto, onde dormia profundamente, emitindo roncos quase ensurdecedores. Um tanto atônito e quase irritado, fui imediatamente até o gerente de plantão relatar a ocorrência: “Tem um cara dormindo na minha cama” – falei, breve.

O funcionário foi até o quarto, onde foi testemunha ocular (e auditiva) do fato e, sutilmente, cutucou o sujeito, tentando explicar, quase sussurrando, que ele estava no lugar errado e precisava se retirar. Naquele momento, a despeito do ronco, todos dormiam, exaustos. Esse cenário se inverteu quando, diante da ineficácia da estratégia inicial, o gerente foi obrigado a fazer investidas mais contundentes, já que ele precisou sacudir o caboclo e elevar o tom de voz até que este, enfim, acordasse, totalmente alheio ao que estava acontecendo.

Nosso cafofo no Drifter Jack’s Hostel

De trágica, a situação passou a cômica. O indivíduo, aparentemente bêbado (de álcool ou simplesmente de sono, não dá pra dizer), não conseguia entender porque estava sendo despejado daquela maneira. Todos no quarto acabaram acordando, surpresos, cada um pensando no cenário mais estapafúrdio. Tentando quase inutilmente conter o riso, eu e Marina corremos até a copa, onde relatamos a história a um outro hóspede, que nos contou ter vivido a mesma situação no ano anterior.

Mais tarde, viemos a saber que o Felipe, ao acordar vendo o gerente naquele contexto, achou que eu estava sendo castigado por ter feito alguma coisa além da moral e dos bons costumes (lembremos que ele estava na cama de baixo do mesmo beliche, isto é, impossibilitado de ver o que acontecia na parte de cima). O Fabrício, amigo e colega de quarto, acordou querendo tocar o desavisado aos safanões, pois achou que o riso contido da Marina era choro e que havíamos sofrido algum tipo de agressão. Até hoje estamos rindo desse acontecimento inusitado.

Com a situação já controlada, o gerente nos chamou de volta para o quarto e, quando nos cruzamos no corredor, ele olhou para mim e disse: “Agora, você tem uma história pra contar”.

De fato. Histórias são as cores da vida e, quanto mais histórias uma vida tem, mais interessante ela é. Saber contá-las, então, a torna ainda mais interessante, e é por isso que os bons contadores de “causos” estão sempre no centro das atenções em qualquer ocasião. E é pelo mesmo motivo que a stand-up comedy ganhou tanto espaço nos últimos anos.

Contar “causos” e fazer piadas com a própria história nada mais são do que diferentes maneiras de usar storytelling. E é com isso que eu retomo o tema do post anterior, só que agora falando um pouco do que vi no SXSW Interactive.

O Centro de Convenções de Austin, onde a mágica acontece

Vou começar pelo Convergence Keynote (Keynote de Convergência) do fotógrafo e aventureiro Cory Richards, da National Geographic, que usa suas imagens (fotos e vídeos) para contar histórias de suas viagens pelo mundo. Recentemente, em expedição para o Everest, Richards encantou seus seguidores com o relato da jornada pelo Snapchat. Ironicamente, Cory foi impedido de registrar o momento final pelo aplicativo, já que a bateria do seu celular havia acabado. “Também tenho esse tipo de problema”, brinca, mostrando a foto que tirou com sua câmera – “Foi tudo o que consegui fazer”.

Durante o keynote, Richards contou sua história de vida, entre aventuras e desventuras (ele tem um passado difícil), toda registrada em imagens belíssimas. Quem quiser conferir pode ver a sessão na íntegra abaixo.

Famosa pelo seu jeito de contar histórias e pelas imagens de alto impacto, a National Geographic teve outras participações, como a do também fotógrafo Aaron Huey que, de maneira similar à de Richards, conta suas viagens pelo mundo por meio de fotografias. Ele é um dos mais de 100 fotógrafos que têm acesso à conta da NatGeo, que por sua vez publica em torno de 12 imagens por dia, além de vídeos curtos (Instagram Stories), lives, etc. Todo esse material recebe um tratamento carinhoso dos fotógrafos, que também cuidam das histórias por trás de cada imagem ou vídeo. “Legendas funcionam incrivelmente bem”, destaca Huey durante o painel Letting Go and The New Way to Tell Visual Stories (em tradução livre, algo como “Desencanando” e A Nova Forma de Contar Histórias Visuais).

Hoje, o Instagram da National Geographic é um dos mais acessados do mundo, com aproximadamente 92 milhões de seguidores (somadas todas as contas). O perfil é tão “mítico” que mesmo um quadrado preto (provavelmente, uma foto malsucedida publicada por engano) chegou a receber mais de 20 mil curtidas.

Potencial de impacto das redes sociais da NatGeo

O storytelling também esteve presente no inusitado workshop Crave Build-A-Vibrator (Construindo um Vibrador da Crave), do qual eu e o Felipe participamos. Sim, você leu certo: participamos de um workshop para construir um vibrador! Quem viu nossos lives ficou por dentro. Uma das coisas mais interessantes foi a maneira como os facilitadores cativaram o público, contando a história do vibrador desde os primórdios até chegar nos brinquedos de luxo que a Crave produz hoje. Aliás, você sabia que o primeiro vibrador foi construído para acabar com a histeria, uma suposta doença causada por perturbações no útero?

Materiais do workshop Crave Build-A-Vibrator

Também tivemos um pouco de storytelling no evento Using AI & Machine Learning to Extend the Disney Magic (Usando IA [Inteligência Artificial] & Aprendizagem de Máquinas para Estender a Magia da Disney), no qual um dos principais pontos destacados foi a importância da história na construção da inteligência artificial de robôs e brinquedos do futuro que vem sendo desenvolvida pela Disney por meio de uma integração saudável entre programadores e criativos. Ora, e quem foi que disse que esses dois mundos não poderiam se unir de verdade para criar um universo ainda melhor? Não é à toa que a Disney está no topo da cadeia quando se fala em histórias infantis… que cativam, inclusive, os adultos.

E o assunto não se esgota. De uma forma ou de outra, tendo o storytelling como tema central ou como ferramenta, várias sessões estiveram conectadas a ele. A discussão The Live Impact: Facebook, Periscope & Journalism (O Impacto da Transmissão ao Vivo: Facebook, Periscope & Jornalismo), por exemplo, falou, entre outras coisas, das responsabilidades dos jornalistas em relação ao uso dos lives, mas também ressaltou a importância de como contar a história. O painel Being Human: How Personal Stories Change the World (Sendo Humanos: Como Histórias Pessoais Mudam o Mundo), que contou inclusive com a participação do escritor de discursos da Casa Branca pelo período de 2011 a 2016, David Litt, manteve o foco em como uma boa história pode mudar vidas e transformar o planeta (para quem não se lembra, o ex-presidente Obama gostava de colocar histórias em seus discursos). No evento Engineered Collisions Between Games and News (Colisões Projetadas entre Jogos e Notícias), a proposta era discutir uso de jogos para fazer jornalismo de maneira criativa usando storytelling para engajar o público.

No Social Good Hub (algo como Central do Bem-estar Social, em tradução livre), espaço voltado para apresentações, experiências e relatos de transformação social, cada estande, cada expositor tinha uma história para contar ou incluir no seu pitch… Mas para não me estender mais por aqui – nem esgotar o assunto (até parece que é possível) – vou guardar algumas histórias para depois. Espero que você volte com bastante curiosidade.

Te vejo em breve!

Ah, e se você gostou muito do que andamos falando sobre storytelling, teremos um imenso prazer em fazer uma apresentação para a sua empresa e, quem sabe, elaborar um projeto de comunicação ou aprendizagem com base nessa técnica? É só entrar em contato!

Foto: Marina Assis
Foto: Marina Assis

South by Southstories #1

O desembarque em Austin trouxe um misto de inspiração, ansiedade e expectativa. Logo nos primeiros minutos, encontrei o já veterano Felipe em frente às esteiras de restituição de bagagem, decoradas com guitarras gigantes que davam o tom da capital texana em toda a sua prontidão para o SXSW Music, antigo habitante local.

O charme das guitarras em Austin-Bergstrom

Tomamos um ônibus em direção ao Centro (Downtown) e, em seguida, outro até o Drifter Jack’s Hostel, que seria a nossa casa pelos próximos 10 dias. Nosso objetivo era não só ter um pouso de baixo custo, mas principalmente dar espaço à oportunidade de encontrar, conhecer e conviver com pessoas diferentes, em toda a nossa intenção de aproveitar a diversidade local para… aprender.

Quem viu nossos lives pelo Facebook, agora disponíveis no YouTube, ouviu muitas histórias desse aprendizado, desde o nosso encontro com uma jovem de Montana interessada em política internacional (ela sabia falar inclusive de política brasileira, imagine!) até a nossa convivência com um viajante de Dakota do Norte que havia perdido a irmã nas ruas de Austin dois anos atrás.

O Drifter Jack’s

Aliás, “história” foi uma das palavras que eu mais vi e ouvi durante o Festival, não sei se pela minha busca de temas por afinidade, se pelo surgimento (casual?) do assunto nos mais diversos eventos ou se por pura tendência mesmo. Afinal, como bem disse o Felipe – e eu concordo – cada um faz o seu próprio SXSW… ou será que contar histórias faz parte, como está na moda dizer, do universo “trendy” da comunicação e da aprendizagem?

Provavelmente, é um pouco de cada, já que uma coisa alimenta a outra. O fato é que nas minhas andanças, tanto no SXSWedu quanto no Interactive, vi bastante coisa sobre storytelling, ora como tema central de um evento, ora como ferramenta utilizada por educadores, comunicadores e profissionais de diversas outras áreas (até mesmo programadores). Minha intenção é, aos poucos compartilhar aqui experiências e referências sobre o que vimos por lá.

Vou começar com o SXSWedu.

Já no primeiro dia, o storytelling foi um dos pontos centrais da sessão Virtual Reality in Education – Best Practices (Realidade Virtual na Educação – Melhores Práticas), conduzida pela The School of The New York Times (A Escola do The New York Times). Segundo a Dra. Audrey Heinesen, VP de Desenvolvimento de Produtos, no topo da lista de um projeto educacional desenvolvido a partir de realidade virtual (“VR”, para os íntimos), não está a tecnologia, mas, sim, uma boa história e como ela é contada. Na visão dela e do colega Kevin Alster, designer de aprendizagem, os bons jornalistas são bons contadores de histórias, principalmente quando conseguem levar o público a vivê-la in loco, possibilidade criada pelo uso da realidade virtual. Por isso, uma dica que eles dão aos educadores que querem usar esse tipo de ferramenta é: “sejam jornalistas”. Nesse sentido, eles também ressaltam a importância da integridade.

O storytelling nem chega perto de parar por aí. Durante o workshop Designing Creative Learning Experiences (Desenvolvendo Experiências de Aprendizagem Criativas), do qual eu e o Felipe participamos juntos, era preciso primeiro criar uma história a partir de palavras aleatórias lançadas em um brainstorm para depois colocá-la “em prática” usando ferramentas como bananas, massa de modelar, cartolina e uma placa de circuito com fios ligados a esses objetos (Makey Makey). Todo esse “aparato” seria em seguida comandado pela programação que desenvolvemos com a plataforma Scratch, do MIT, tão simples de usar, que não precisávamos entender uma linha de código – apenas um pouco de lógica. Imagine o quanto nos divertimos fazendo um macaco à base de Play Doh pular no alto de um prédio com suas bananas. Nessa brincadeira, vimos o quanto contar histórias pode ensinar sobre programação.

No espaço denominado Playground, que reunia estandes de várias empresas e organizações, a história também era o carro chefe da Explo, instituição especializada no desenho de experiências de aprendizagem por meio de exploração – e curiosidade. Aqui, nosso desafio era salvar a bolinha Molly das garras de um terrível urso faminto construindo uma rampa de papelão que a permitisse “saltar” para a segurança ao descer esquiando pela montanha gelada.

Molly salta para evitar o faminto urso

A história (ficção) também se mesclou à história (realidade) no painel Engaging Students through Immersive Role Play (Engajando Estudantes por meio de RPG Imersivo), no qual um reitor, uma professora de História da Arte e um estudante falaram sobre o uso da metodologia Reacting to the Past (Reagindo ao Passado). O método, basicamente, coloca os alunos no centro de um acontecimento histórico (como a Revolução Francesa, por exemplo), transformando-os nos personagens que fizeram parte daquele momento do passado. Os alunos são, dessa forma, estimulados a estudar seus papéis e os fatos ao redor deles para viver a experiência. O processo é “gamificado” e vencem aqueles que conseguem atingir os objetivos dos seus personagens.

Por fim, para encerrar por hoje, vou falar sobre o espetáculo American Revolution (Revolução Americana), que também propõe engajar os alunos no estudo de história, mas por meio da arte. Aqui, os estudantes assistem a apresentações teatrais da companhia Theater Unskpeakable, que utiliza apenas os corpos dos atores durante a encenação. A proposta é, além de ensinar história de um jeito bem-humorado (o espetáculo é cheio de cenas engraçadas), estimular a consciência corporal e o apreço pelo teatro. Aqui, a história – e a forma como ela é contada – andam de braços dados.

Theater Unspeakable traz história e consciência corporal

Enfim, existem muitas formas de se contar histórias – e a gama de exemplos vai muito além do que eu trouxe aqui. Mas embora eu sempre tenha acreditado no poder do storytelling como ferramenta de aprendizagem (desde os primeiros anos, nossos pais nos ensinam por meio de histórias), percebo que o excesso de objetividade exigido hoje em alguns campos da educação – sobretudo no universo corporativo – muitas vezes esbarra na armadilha dos conteúdos secos, maçantes e sem sal, que geram baixa aderência do público e um aprendizado apenas superficial. Felizmente, existe a contrapartida daqueles que têm buscado resgatar o storytelling como parte essencial da aprendizagem. Afinal, histórias tocam corações e estimulam mentes, criando uma atenção e uma retenção mais fortes. E, como disse o Dr. Chris Emdin em seu brilhante keynote (o Felipe falou mais sobre isso nesse post.), quando pensamos no aprendizado de pessoas, “não estamos ensinando para o Programa Especial, e sim, para almas”.

Até o próximo post!

Sobre o SXSWedu 2017 – A inclusão e a Diversidade

Inclusão e diversidade. Duas palavras que a gente escuta toda hora como fundamentais para as empresas e escolas, mas que, ainda precisam sair do discurso e serem colocadas em prática ao redor do mundo.

No entanto, Inclusão e Diversidade foram novamente abordadas, tanto no SXSW quanto no SXSWedu. E por um motivo simples, porém óbvio: as pessoas precisam sentir-se representadas para aceitarem fazerem parte do conteúdo. E são vários os exemplos:

Novamente, começo citando a palestra do Chris Emdin, quando ele cita que há poucos professores negros nas escolas. Parte desse problema ocorre porque não estimulam os jovens negros a serem professores e os alunos negros não se sentem representados.

Ou, na fala de Rachel Goslins, diretora do futuro Museu Smithsonian’s das Artes e Indústrias, que está sendo construído em Washington. O museu terá como foco a inovação, os processos criativos, mas quer desmistificar o “cargo” de inovador, geralmente retratado como o jovem branco. Somente 8% dos Inovadores vem das minorias. Rachel quer mostrar que qualquer um pode ser inovador e a inovação pode ser qualquer coisa que fazemos para melhorar nosso dia-a-dia. O objetivo deste “desmuseu”, nas palavras de Rachel, “é usar a tecnologia do séc. XXI para contar histórias do séc XXI” e fazer com que cada visitante sinta-se representado, seja nas instalações, seja nas pessoas.

Apresentação de Rachel Goslins

De vez em quando, a diversidade vem em um painel. O Instituto Inspirare, aqui do Brasil, apresentou o “Estudantes como Inovadores na Educação“, trazendo as histórias de Bruna Waitman e Maílson Aguiar. Dois jovens brasileiros, de origens totalmente diferentes, e que ao seu jeito, fizeram pesquisas para entender como os estudantes brasileiros viam suas escolas e como gostariam que fosse.

A história do Maílson é muito simbólica para toda essa conversa de diversidade. Ele nasceu no interior do Pará, frequentou uma escola rural e fez uma pesquisa com 130 mil jovens em todo o Brasil. Aos 20 anos, estava ali, em Austin, apresentando sua história para o público do SXSWedu, professores americanos em sua maioria. Quando eles teriam a chance de ouvir uma história dessas? Se abriu a minha cabeça, imagino o que deve ter acontecido com a cabeça deles. Além disso, quantas histórias parecidas devem acontecer ao redor do mundo e a gente não fica sabendo, exatamente porque estamos sempre falando para nós mesmos?

Ou, finalmente, quando participei de um workshop de design thinking aplicado à educação, feito por alunos da Minerva Schools. Essa foi uma experiência interessantíssima. Em tese, era um desses momentos onde as pessoas precisavam desenhar um Mínimo Produto Viável para resolver um problema. No caso, “o que pode ser consertado na educação?”, assim, bem genérico. Acontece que na minha mesa, de sete pessoas, tinham dois brasileiros, duas americanas, uma chinesa e dois caras de Cingapura. E no meio das referências e desejos, decidimos que poderíamos tornar a pedagogia mais tátil, mão na massa. Agora, observem que interessante: cada um de nós tinha uma visão sobre como fazer isso acontecer.

O grupo decidiu criar um espaço para atividades extra-curriculares na escola, em um misto de educação profissional e programa de estágio. As empresas forneceriam mão de obra e conhecimento, a comunidade entraria com problemas a serem resolvidos. Mas, para chegar nisso, a gente precisou discutir um pouco. Porque eu achei estranho os caras de Cingapura pensarem em envolver só as empresas, eles devem ter achado esquisito o meu desejo de envolver a comunidade ao redor das escolas. Mas, beleza. Nas diferenças de visão de mundo, desenvolvemos nosso projeto em duas horas. Foi apresentado, elogiado e ainda fizemos um canvas.

Apresentação do meu grupo no workshop

Igual falamos no ano passado: Pessoas diferentes garantem pontos de vistas diferentes e, consequentemente, mais criatividade e inovação no seu projeto. Agora, como estimular isso no ambiente de trabalho? Acho que valem algumas dicas:

  • Estimule a troca de experiências. Na sua organização, chame pessoas de áreas diferentes a participarem de projetos de outras áreas. A experiência e visão dessas pessoas podem ser fundamentais para o sucesso desse projeto. Chame a pessoa de TI para discutir a nova política de Recursos Humanos, por exemplo.
  • Contrate diferente. Você só vai ter uma equipe diferente se você abrir sua cabeça na hora da contratação. Pessoas com diferentes histórias de vida, escolas, experiências profissionais irão te ajudar a garantir esse ambiente diverso tão desejado.
  • Honestidade e respeito ao próximo. Estimule que sua equipe tenha conversas claras e honestas e respeite a identidade de cada um. Se as pessoas forem elas mesmas no trabalho, você terá um ambiente mais leve e transparente, sem que o medo de expor opiniões.

Compartilhe as suas opiniões também! Nos vemos no próximo post.

Sobre o SXSW 2017 – Conteúdo centrado no usuário

Este foi o segundo ano da 42formas no SXSW Interactive e no SXSWedu. Para quem não conhece, o SXSW é uma conferência que acontece em março em Austin, no Texas, desde 1986. Começou como um festival de música e expandiu para cinema e interatividade. São dez dias para cinema, cinco para interatividade e cinco para música. A cidade, que é uma jóia progressista no meio do Texas, se transforma pra esse período. Então, além das atividades no centro de convenções, vários hotéis recebem painéis e várias empresas utilizam espaços ao redor para fazer suas ativações: tem a casa da IBM, da Amazon, Panasonic, McDonald’s, Dell etc. Uma semana antes, acontece o SXSWedu, um desdobramento do festival principal e focado em educação pública e básica.

Este segundo ano serviu para comprovar a minha teoria de que cada pessoa faz o seu SXSW. Afinal, são várias painéis e palestras acontecendo a mesmo tempo, mais os estandes, ativações diversas e os inúmeros momentos para conhecer gente nova. Claro, alguns temas são recorrentes e o Bruno Milagres, amigo de longa data, fez uma boa análise de alguns desses temas para o canal da Ciatech no YouTube: chatbots, vídeos online e mudança no conceito de carreira.

Ao longo dos próximos dias, eu e o Marcos vamos colocar as nossas impressões aqui no blog, começando por hoje. E há uma vantagem em poder participar dos dois eventos, que é ver como alguns temas e discussões são transversais aos SXSWs. E depois de duas ou três palestras sobre assuntos completamente diferentes, você consegue fechar os pensamentos na sua cabeça.

Vamos lá?

O conteúdo centrado no usuário

Uma dos assuntos discutidos no SXSWedu e no SXSW Interactive a questão do conteúdo centrado no usuário. Aqui, poderíamos falar sobre “design centrado no usuário” ou “aprendizagem centrada no aluno”, mas a usaremos “conteúdo” porque ele é mais amplo e abrange as duas conferências. Na primeira keynote do SXSWedu, o professor Chris Emdin utilizou o último disco da banda A Tribe Called Quest, ““We got it from Here… Thank You 4 Your service”” como uma analogia para falar sobre o estado atual da educação. Para ele, “a educação é essencialmente os problemas dos direitos civis da nossa época. Nosso trabalho não é sobre educar, mas tudo junto“.

Emdin reforça o argumento de que tudo o que foi feito na educação até agora, principalmente para as minorias e os marginalizados, não foi suficiente. Por isso, “a gente segue daqui, obrigado pelo trabalho“. Para ele, o contexto onde negros e pardos são inseridos não foi construído para eles. Como não conseguem ter bom desempenho escolar por não se sentirem conectados, acabam saindo da escola. “Quando um aluno não se sente parte daquele ambiente, ele vai abrir um novo espaço para sentir-se parte e vai demonstrar sua inteligência lá.”

Então aquele aluno que odeia aula de línguas e não se dedica é taxado de incapaz pelo professor. Mas, esse mesmo aluno acha seu espaço na cultura do hip-hop e começa a produzir letras maravilhosas, fazendo um uso mágico da língua. (Aliás, já viram esse vídeo maravilhoso do Vox sobre as letras de rap?) O mesmo serve para um menino que faz grafite no décimo andar de um prédio. Ele com certeza sabe muito sobre física e química.

E muitas vezes a gente vê esse problema no nosso dia-a-dia, quando desenvolvemos um conteúdo ou um objeto de aprendizagem, que mesmo feito na melhor das intenções, não conversa com seu público porque não foi feito pensando nas necessidades dele, mas sim nas que achamos que eles tinham.

Esse tema foi recorrente, por incrível que pareça, no workshop da Crave, que é uma empresa que desenvolve brinquedos sexuais de luxo. Ti Chang e Michael Topovolac, dois designers industriais, estão à frente da equipe e contaram que os produtos da empresa saíram de conversas sobre o dia-a-dia das suas clientes e o que elas queriam deste produto: hábitos, costumes, onde gostam de ir para se divertir e afins. Observem, nada relacionado à vida sexual delas, mas que convergiu para um produto feito para elas. Um dos exemplos é o Velvet, um brinquedo em formato de pingente.

Finalmente, em uma palestra que caí de para-quedas – e isso é uma das maravilhas do SXSW – foi o painel “Creative Headspace for a BeBop Century”, com Michael Hendrix, sócio da IDEO, e Panos Panay, do Berklee College of Music Institute for Creative Entrepreneurship. Os dois falaram da similaridade entre o trabalho dos designers e dos músicos, por exemplo, ter a percepção do que ocorre ao nosso redor.

Michael reforçou que o processo de design é baseado em observação. O bom designer consegue ser um bom observador e, a partir daí, ele desenha as soluções. Um dos clientes da IDEO, por exemplo, não entendia a razão na queda das vendas do seu medicamento para artrose. Podia ser a embalagem, a bula, mas não sabiam. Então, a IDEO começou a observar o cotidiano de uma das pacientes, cuja doença estava progredindo. Perguntaram como ela abria a embalagem do medicamento e ela então usou um fatiador de pão para cortar a tampa, já que não conseguia mais abrir do modo convencional.

Observem que o processo de criação também é similar às diversas atividades. Inspiração, idealização e execução partem de um ponto, são totalmente estressadas até os conceitos se fecharem novamente e chegarmos o produto final.

Ou seja, é interessante pensarmos no conteúdo centrado no usuário e nesses processos de criação quando estamos falando de soluções aderentes, onde o público-alvo sinta-se parte desta solução e interessado em utilizá-la. Isso é muito mais do que soluções inovadoras ou tecnológicas. É partir para o simples.

Como próprio Chris Emdin fala, “a tecnologia não é nada se você não tiver pedagogia“. Ou, no caso da educação corporativa, a andragogia.

Quer saber mais sobre o que vimos no SXSW? A gente vai adorar falar sobre. Vamos tomar um café ou fazer uma reunião? Entre em contato conosco!

Gostaríamos de ouvir seus comentários e sugestões sobre o assunto. E participe da conversa assinando a nossa newsletter.

Até a próxima!

A anatomia de uma marca

De vez em quando, a gente tem que provar um conceito para comprovar seu sucesso. No nosso caso, eram dois: 1) de que o bom parceiro pode estar em qualquer lugar e 2) uma boa reunião de briefing e um bom feedback resolvem são fundamentais para o melhor resultado possível.

Quando eu e o Marcos decidimos refazer a marca da 42formas, eu propus uma leve ousadia: que a marca fosse desenhada por alguém que não estivesse em São Paulo. Em tese, a nossa primeira marca seguiu a mesma premissa, mas queríamos provar que poderia dar certo de novo. Cervejas e experiências profissionais passadas nos levaram até a Studio Comunicação, agência de Fortaleza (CE), que tem no portfólio algumas marcas super bem desenhadas.

Fizemos uma reunião de briefing pelo Skype que foi super produtiva. Mais do que nossos desejos para a marca nova, falamos do que a 42formas aspirava ser nessa nova fase, o que defendemos, o que acreditamos. A Studio também perguntou bastante, o que é fundamental nesse estágio. Foi uma daquelas poucas reuniões que entra na coluna das que valeram a pena. E como conseguimos isso? Acho que com sinergia e transparência. Juntos, conceituamos o negócio, a captação de clientes, os novos projetos. E os dois lados foram objetivos, o que acelera bastante o processo. E o que a gente queria? Curvas, uma marca mais fácil de ser aplicada, evitar o uso do laranja e amarelo – cores amplamente utilizadas por empresas do ramo – e um pouco de assimetria. 

Naturalmente, estamos muito orgulhosos. Não só pela marca, mas por ver que acreditamos nas coisas certas. Para nós, independente de onde nosso parceiro está, o fundamental é manter uma relação transparente e valorizar os momentos em conjunto: reuniões de briefing e feedback produtivas, que geram resultado para todo mundo. 

À turma da Studio Comunicação, nosso muito obrigado!